Eterno Viver - Crônica da Semana publicada no jornal "Estado de Minas"

Os versos de Fernando Brant na música "Travessia", de Mílton Nascimento, certamente estão entre os mais expressivos da literatura brasileira.

Já no início ele afirma que "quando você foi embora/ fez-se noite em meu viver", quando utilizou o infinitivo impessoal e condensou todo sofrimento causado pela separação amorosa.

Ao longo da letra ele aplicou o mesmo recurso com uma densidade emotiva e dramática que o possibilitou fazer talvez o mais expressivo hino ao amor e à perda dele.

Pelo que afirmou Mílton Nascimento, Fernando demorou três anos para lhe entregar os versos.

Fazer poesia de verdade não é só doído, demanda muito sofrer, como transparece nos versos que Fernando Brant, em seu jeito simples de ser, fez em “Travessia” para colocar a dramaticidade do final de um amor.

Tive pouquíssimo contato com ele, o maior quando se mudou para o bairro Cachoeirinha e eu morava no bairro vizinho, a Renascença. Lá ele construiu sua casa ao lado da casa de um cunhado meu. Ali batemos alguns papos na calçada, principalmente sobre futebol, com ele defendendo ardorosamente o seu América com uma garra mais próxima da que é própria de um atleticano "doente".

Quem por ali passasse não poderia imaginar que se tratava de um dos maiores poetas da literatura brasileira praticada através da música, aliás como ocorreu com Vinícius de Moraes depois que se tornou parceiro de Tom Jobim e mais tarde de Toquinho, resultado do fenômeno natural da integração do verso com a melodia.

Muitos anos depois nos encontramos pela última vez, muito rapidamente, quando eu saía do prédio onde moro e ele chegava para visitar uma parente. Do encontro tão rápido só foi possível ouvi-lo dizer que eu aguardasse a próxima partida contra o América para ver que a história iria mudar no futebol mineiro.

"Sonho feito de brisa, vento vem terminar/ vou fechar o meu canto, vou querer me matar".

De novo, no final de "Travessia", o infinitivo surge com extraordinária força poética para falar do final de um amor que nunca morrerá.

Com seus versos, Fernando Brant tornou possível o seu eterno viver.