O Revolucionário de Pijama - por Ruy Castro

Um vídeo postado esta semana na internet mostra João Gilberto em seu apartamento no Leblon, acompanhando ao violão sua filha Carolina Luiza, de 9 anos, enquanto ela canta um singelo “Garota de Ipanema”. Leva menos de 40 segundos e foi feito numa sala fechada – enxerga-se pouco e escuta-se menos ainda, mas tem algo enternecedor : João Gilberto está de pijama, de um xadrez suave.

Ele completa 84 anos na próxima quarta-feira (10). Para os jovens que assistem ao vídeo, deve ser difícil acreditar que, em 1.958, há 57 anos, este senhor de pijama e chinelos surgiu na praça com uma batida de violão aparentemente incompreensível e um jeito de cantar quase inaudível para os padrõres vigentes – um estilo que dividiu a música popular, não deixou ninguém indiferente e, no final, revelou-se revolucionário em escala planetária.

Mas como aceitar um revolucionário de pijama? Não se trata nem da modéstia do traje, embora o de João Gilberto pareça muito bem cortado e de uma flanela de primeira. É o fato de este homem não estar se apresentando, até hoje, para platéias que gostariam de ouvi-lo, e são muitas, ou gravando discos que nos abasteceriam para sempre. E porque, ao respeitar o seu silêncio, fazemos de conta que ele não existe.

Sua cidade natal, Juazeiro, na Bahia, de onde foi adolescente para Salvador, e dali. para o Rio, em 1.950. vai homenageá-lo no seu aniversário. O evento se chamará “Viva João” e constará de músicas, poesia e memórias a seu respeito. João Gilberto não vai a Juazeiro há muito tempo. Mas os juazeirenses não o cobram por isso – cobrar de quem já se deu tanto? Sabem também que ele nunca saiu de lá.

E que sua voz, seu violão, a bossa nova e o respeito mundial foram apenas sonhos de um menino à beira do São Francisco, que João Gilberto nunca deixou de ser.