Dois Poemas Num Só - por Arthur Lopes Filho

A partir de agora o blog vai publicar textos de Arthur Lopes Filho. Seguem um poema e uma história.

Queria fazer um poema
Que fosse terno, que fosse quente
Que fosse anárquico e tivesse senso
Queria-o frio e inclemente
Queria-o duro mas cheio de amor

Que me saltasse do peito
Com todas minhas contradições
Que descesse profundo na minha humildade
E saísse soberbo do meu orgulho

Queria-o como traço marcante
Da minha inconseqüência
Queria-o como pedra lapidar
Dos meus anseios dilacerados

Queria-o revolução e ordem
Desordenadamente belo
Um poema inacabado
Sempre em gestação

Queria-o poema inédito
Como as belas farsas do mundo,
Na rebelião de coisas suaves
Nascido da necessidade de ser

Um poema que nascesse roto
Que tivesse vida sem viver
Um poema louco
Como deve ser o espírito
Que fosse do mundo contraditório
Das minhas contradições

Poema simples, complexo, sintético,
Analítico, robusto, raquítico.
Queria-o poema.


CONFISSÕES

Quantas vezes há uma vontade de chorar sem que nem por que. Uma vontade pura levada pela lembrança de outros tempos que tanto me recordam a alegria. Que tanto me recordam outras dores. O tanto que fiz de mal feito quando menino: o filhote de cachorro que joguei para cima e que quando caiu ficou mole, desmaiado. O gato que usei uma faca para capar e que quando os bagos ficaram de fora, morri de medo de ir adiante. Pobre gato. Vontade de chorar pelo que não veio e poderia ter vindo se meu pai não tivesse morrido. Vontade de chorar de saudade da Fazenda Bateia onde minha mãe sabia fazer de tudo, até pilar o arroz para fazer o almoço de todo dia. Vontade de chorar por lembrar que meu pai lá mandou fazer o campo de pouso onde sofreu o acidente, colhido pela hélice do avião, e morreu nos deixando filhos pequenos e a viúva aos 29 anos. Vontade de chorar por ter saudade do córrego da Bateia e da Vereda Funda, onde meu pai nos levava para mergulhar e perder o medo de águas tão frias. Um dia meu pai matou uma sucuri que havia engolido um bezerro. Precisou usar uma carabina calibre 44. Matou também uma onça preta que estava comendo bezerros. Meu pai era um homem muito corajoso, nada temia. Queria que fossemos iguais a ele. Muitas vezes em minha vida, eu com medo me municiei de coragem e enfrentei situações difíceis. Honrei meu pai, eu senti sempre orgulho de meu comportamento de vencer meu temor. Não sou destemido como meu pai, mas lembrar das águas frias do córrego e da vereda sempre me fez superar o medo por mais forte que fosse. Vontade de chorar pelo que passou em minha vida, na alegria do amor pela menina que me encantava e da frustração do que não possuía. Vontade de chorar de saudade de Sobral, no Ceará, onde meu pai nasceu. Lá ficamos quase um ano, a casa de minha avó, a Serra da Meruoca, o Sertão do Canto das Pedras, a Fazenda chamada Patos, a casa de tia Deliza na beira da estrada de rodagem, ela ficara incapacitada de andar desde menina. Mas era quem comandava tudo, fez minha mãe tirar o luto pela morte de meu pai. Ela era a força e a vontade de fazer a família ser forte. Minha avó cantava uma canção sobre um príncipe que amava uma mulher muito bela, até hoje me ressoam acordes daquele tempo. Vontade de chorar por ter muita coisa que lembrar com saudade. Da cachoeira de Pirapora, da praça e do jardim em frente à casa de meu avô. Vontade de chorar pura e simplesmente sem que nem por que.

Artur Lopes Filho

Junho/2015