Doiduras - Crônica da Semana - "Estado de Minas" - 26/11/2015

Reencontro meu amigo ex-doido que passou por intenso tratamento e agora se considera pessoa absolutamente normal.

Preocupou-me sua depressão quando a conversa caminhou para recentes acontecimentos e, em meio a uma sequência de tiques e gestos nervosos, o ex-doido pareceu ter voltado à sua condição anterior ao tratamento médico. Achei melhor seguir com o papo apesar da impressão de que ele estava fora de si.

- Loucos estão todos. Olha o terror tomando conta com atentados malucos. A Terra é que está biruta da silva, eu não – disse.

Aí enumerou fatos como o terror que traz pânico ao mundo, a corrupção que grassa o país e as doiduras de nosso dia-a-dia. Preferi não contestá-lo porque suas observações até tinham sentido e preferi acalmá-lo e colocar na conversa o tema futebol mas o amigo ficou ainda mais alterado diante das atuações recentes de nosso time do coração – meu e dele.

Cometi a bobagem de falar do barulho da construção de um espigão ao lado do prédio onde moro porque aí o ex-doido endoidou de vez:

- Só um idiota como você para achar que tomem alguma providência contra o barulho numa cidade que parece surda a reclamações…

A desilusão do ex-doido era tanta que nem tentei saber como conter o baticum de toda madrugada da casa de shows a dois quarteirões.

Quando percebeu que eu escolheria outro tema, meu amigo se antecipou com um sinal de “pare” com as mãos:

- Não me venha falar de política nem de economia…

Pensei que ele aceitasse opinar sobre os últimos desastres ecológicos mas o ex-louco saiu em disparada sem nem se despedir.

Preocupado, vi o amigo ir embora com seu cabelo revoltoso, suas roupas em desalinho e gestos estranhos como se falasse para ele mesmo. Foi quando tive um choque de realidade: doido é o mundo, não meu amigo ex-doido.