O Que Resta é Chorar - Crônica “Estado de Minas - 10/12/2015

Ela entrou na sala de aplicações com um chapéu de abas abaixadas cobrindo boa parte de seu rosto. Ao seu lado, o marido tão jovem quanto ela denotava tristeza. Com carinho ele a ajudou sentar.

Ela mudou a posição do chapéu e revelou aos presentes sua beleza.

Abri um papo com ela e o marido. Rodeei um pouco a conversa até perguntar porque ela estava alí se tinha aparência tão saudável.

Com um travo na sua feição alegre, ela contou que o câncer começara três meses após o casamento, exatamente quando o casal cuidava para ela ficar grávida, O tratamento durara um ano e três meses mas agora houve recidiva do câncer.

Eu pensei que iria chorar mas consegui segurar a emoção.

Como se fosse possível amenizar o relato dela, contei meu problema iniciado há um ano com uma idade muito superior à dela, mas não falei o que disse a minha esposa quando foi iniciado meu tratamento:

- Gracinda, que destino ter câncer quando passei dos setenta anos…

Com a objetividade que lhe é própria, minha mulher me disse:

- Ainda bem. Já imaginou se o câncer pegasse você quando estava no auge de sua carreira com três filhos para criar?

Não relatei este fato à moça, apenas comentei que os avanços no tratamento têm sido extraordinários, ocorrendo atualmente verdadeiros milagres e que, certamente, em breve ela estará curada.

Agradecida, ela deu um sorriso mas não conseguiu esconder a tristeza. Como tantas pessoas disseram a mim para me animar no tratamento, senti obrigação de pedir a ela para não parar de lutar.

Não consegui, entretanto, segurar a tristeza que invadiu minha mente e meu peito diante da ironia do destino: eu, em final de carreira quase curado enquanto a moça e o marido não tinham como esconder no rosto e na alma a angústia em relação ao futuro.

Foi difícil segurar as lágrimas que na saída escorriam no meu rosto.