Super-Sessão Urtigão após a Vergonhosa Sessão do STF

Coisas complicadas

Meu pai era homem simples. Órfão de pai e mãe com 11 anos, era o terceiro de 11 irmãos. Talvez por isso nunca gostou do número 11. Não colocava galinha para chocar com 11 ovos: eram dez ou doze. Na loteria, não jogava no cavalo, que tem esse número cabalístico no jogo inventado pelo Barão de Drummond que passou para a história como inventor do jogo do bicho, uma das coisas mais honestas do Brasil. Meu pai tinha só segundo ano de grupo mas lia muito. Quando ficou cego aos 40 anos, ouvia rádio - de preferência a Nacional e a Voz da América – e botava os filhos para ler para ele o jornal diário.

A despeito de pouco estudo, era homem de muita sabedoria. Usava provérbios e ditos populares. Quando queria comparar algo complicado dizia: mais complicado que barriga de mulher, resultado de eleição, cabeça de juiz e a estação de General Carneiro.

Dessas quatro coisas, só sobrou a cabeça de juiz. Resultado de eleição hoje é previsível, com pesquisas manipuladas ou não, que praticamente colocaram a incerteza no ostracismo. Barriga de mulher não tem mais mistério. Na toada em que caminha a ciência de países desenvolvidos e usufruída por nós, em pouco tempo poderemos escolher o sexo do herdeiro mesmo antes da fecundação. Se foi bom ou ruim, não cabe a mim criticar. Pelo menos o ultra-som permite aos casais comprar o enxoval certo, azul ou rosa de acordo com o rebento esperado. A estação de General Carneiro que se parecia com um pagode chinês, com três plataformas em forma triangular, foi demolida - uma pena pois era estação bonita com sua construção inusitada. 


Nos restou um mistério: a cabeça de juízes.

Na 4a feira, no STF, o voto do relator Luiz Edson Fachin levou todos analistas a um erro cavalar, inclusive dos doutos jornalistas politicos que caíram do cavalo. Merval Pereira, do Grupo Globo, previu unanimidade, ressalvando pequenos ajustes. Ledo engano: se fosse corrida de cavalos, com certeza ganharia o azarão.

O Professor Fachin, no jargão da corte, foi vencido de forma acachapante, acompanhado somente por Gilmar Mendes e, alvíssaras, por Tofolli, que apontava para outra previsibilidade. Jogaram sobre o relator votos caudalosos, cheios de sabedoria jurídica, citação de jurisprudência de anterioridades, doutrinas daqui e d'além mar, sem deixar de elogiar o trabalho do vencido, autor de voto robusto de cem páginas, escritas em frente e verso.

Tal resultado coloca-me a pensar, sem ser estudioso do Direito, eu que fiz e passei em três vestibulares e desisti no meio do caminho. Nada contra a nobre carreira, tão ao gosto de brasileiros de minha idade, como foi também a carreira eclesiástica. Em todas as vezes que cursei Direito, intrigava-me a incerteza do resultado, mas fico cada vez mais embasbacado porque o voto do Juiz Fachin, tão elogiado por seus pares, não conseguiu convencê-los. Apanhou de oito a três, placar de goleada. Nada tão intrigante se os doutos juízes citam tanto anterioridades, tantos autores e tanta doutrina para provar a tese defendida. Um caso a pensar.

Será que aqueles citados estavam errados e tomaram uma surra de "vergalha de boi" no julgamento? Ouso até parafrasear juízes do STF com a expressão que eles adotam: "no meu sentir”, algo estranho aconteceu, fazendo prevalecer a máxima do meu pai: cabeça de juíz continua complicada, fora do alcance de nós pobres mortais, mas leva-me a pensar mais um pouco.

Será que a maldição do 11 de meu pai prevaleceu sobre sessenta por cento dos brasileiros?

Em tempo:

No dia da votação e da derrota de Fachin, a jornalista Tania Morales da rádio CBN entrevistou um sem número de lentes do Direito, inclusive ex-juízes, entre eles o ex-ministro Eros Grau. Após o anúncio, ela lhe perguntou:

- Doutor Eros Grau qual sua opinião sobre o julgamento?


Resposta do ex-ministro: 

- A senhora errou de entrevistado, pertenci a outro tribunal, não esse.

Apesar da insistência da jornalista, novas negativas. Novo mistério que cada vez faz prevalecer a máxima da voz do povo: 
Cabeça de juiz é mesmo complicada.

José Silvério URTIGÃO