Alívio - Crônica "Estado de Minas" - 04/02/15

Ficou feliz com a iniciativa de filhas e filhos de se quotizarem para lhe presentear no Natal com um tablet na versão mais atualizada.

Em sua modéstia, considerou exagero receber algo tão moderno numa idade que avança firme para os setenta anos, ele que nunca deixou de se atualizar, mas sentiu-se feliz tendo em mãos uma fonte inesgotável para novos conhecimentos.

Lá com seus botões considerava-se razoavelmente atualizado, praticante de ginástica três vezes por semana ao lado de pessoas também idosas que falavam de tudo durante os exercícios, incluindo comentários jogosos sobre políticos e brincadeiras enquanto se exercitavam em caminhadas ao redor do salão da academia.

Ao usar o novo aparelho constatou que realmente tinha em mãos um fantástico instrumento de informação e divertimento.

Assustou-se quando se deixou contaminar pela geringonça supermoderna. Nada lhe escapava. Gastava um tempo enorme com aquilo. Estava exagerando e escasseando sua presença no lote que adquirira tempos atrás em bairro afastado da região central da cidade. Lá ele curtia o trabalho de cuidar de hortaliças, pés de milho e mandioca, abóboras morangas, couve, agrião e alface, tudo pelo prazer de mexer com a terra numa higiene mental. Aquilo o fazia esquecer o asfalto, o trânsito louco e a poluição sonora da cidade que não para de crescer. Sentia prazer de distribuir a produção para amigos e instituições, ali passando horas numa catarse mental que o fazia esquecer coisas desagradáveis que a vida sempre prepara.

O diabo do tablet na realidade estava entupindo de entulhos os escaninhos de seu já cansado cérebro com informações que poderiam ser importantes para outras pessoas mas para ele, naquela altura da vida, o excesso de dados reduzia sua capacidade de guardar numa única cabeça, já cansada, coisas importantes da vida.

Passou o aparelho para o neto mais novo e sentiu enorme alívio.