Por favor, Senhores. Fiquem Sentados - Corresponde Internacional

Glückauf-Kampfbahn na década de 50
Semana passada quando saí da minha querida Gelsenkirchen em direção ao aeroporto de Frankfurt com destino a Miami eu não imaginava que minha vida iria mudar completamente devido a um jogo de futebol. Muito menos o que aconteceria dentro do estádio de Fort Lauderdale acompanhando o jogo do meu Schalke 04 contra o mesmo time Brasileiro que meu Pai tinha visto jogar na Alemanha na década de 50.

Comecei a frequentar e acompanhar Fußball em 1963, ano de início da Bundesliga. Meu Pai me levou para ver o Schalke ganhar do Stuttgart por 2x0. Eu tinha 10 anos de idade no nosso antigo estádio “Glückauf-Kampfbahn” o “Campo de Batalha da Sorte” cantamos juntos “Wieder da” ou “Estamos de volta”. 


Nosso nome “der Schalke” veio da irreverência dos fundadores. Estudantes secundaristas que em 1904 colocaram o nome do time de “Os Malandros de Gelsenkirchen”. Fomos os melhores entre 1933 e 1942. Ganhamos nada menos do que 7 campeonatos. O time era espetacular e nestes anos de ouro criamos uma invencibilidade de 4 anos sem perder nenhum jogo entre 1935 e 1939 no nosso estádio.


Atlético Mineiro antes do jogo contra o Schalke 04
Umas das historias que meu Pai contava era sobre um jogo internacional que ele foi durante o inverno de 1950. Jogamos contra um time de Belo Horizonte alvinegro. Era um domingo e o estádio estava completamente lotado. Todos os pagantes confortavelmente sentados durante a bem disputada e emocionante partida. Ele me disse ter ficado impressionado ao ver o time Alvinegro de Belo Horizonte lutar, lutar, lutar. Perdemos por 3x1.

http://www.schalke04.de/de/aktuell/news/160112_portraet_mineiro/page/7008--10-213-.html

Este foi um dos motivos que durante este inverno de 2016 decidi ir para a Florida esquentar minha alma, deixar de lado a neve que acumula no meu telhado, aproveitar os parques da Disney e por fim reviver o passado vendo ao vivo a “revanche” do Schalke contra o Mineiro de Belo Horizonte.

Porém o que presenciei no Lockhart Stadium deve ter sido muito diferente do que aconteceu 65 anos atrás. Sim, o placar foi parecido, perdemos por 3x0. Jogamos novamente contra o Atlético Mineiro que coincidentemente também fundado por estudantes. Novamente em um torneio internacional e em um estádio que parece muito com o Glückauf-Kampfbahn desativado em 1973. Mas algo é muito diferente. Os nossos torcedores não se parecem nem um pouco com estes loucos que saem de casa para idolatrar o Clube Atlético Mineiro. No jogo de 1950 mais 35 mil torcedores compareceram. Como disse anteriormente todos cuidadosamente sentados. Bem agasalhados. Atentos a cada jogada. Analisando os cruzamento, ataques, chutes e substituições. Pois isso não foi nada do que presenciei na última quarta-feira.


Cheguei como sempre com boa antecedência. Como tinha comprado o ingresso on-line, a entrada foi rápida e tranquila. Eu e minha esposa estávamos com cadeiras reservadas no centro do estádio. Excelente localização. Podíamos ver ambos os gols sem qualquer bloqueio visual. Aproveitamos a pouca fila e compramos duas cervejas. A cerveja ajudou a esquentar o fim de tarde. Fomos como sempre vestidos de Azul Royal dos pés até a cabeça. Ficamos confortavelmente esperamos o ponta pé inicial já que a arquibancada até aquele momento estava como poucos Atleticanos. Tudo indicava uma noite tranquila e vitoriosa. A revanche que meu Pai não veria. Faltando menos de 10 minutos para o jogo começar a situação mudou, e eu também…

Do nada começou uma gritaria histérica. Quando olhei para o lado direito vi um enorme mascote. Era um Galo de Briga correndo com a camisa do Atlético. Ao seu lado crianças, mulheres, homens. Todos gritando Galo Doido, Galo Doido, Galo Doido. Todo mundo tirou seus telefones dos bolsos e começaram a disparar fotos. Ninguém esperava ninguém. Era como uma Blitzkrieg ao contrario. Pensei. Tudo bem. Hahaha. Brasileiros…apenas um mascote. Mas o Mascote não tinha limites. Olhei novamente ele já estava encima da cerca que separa o campo. Detalhe. Na cerca estava escrito em inglês e espanhol “Proibido subir ou ficar perto na cerca”. De cima da cerca o “Galo Doido” fazia posses como se estivesse brigando. Matando alguém…

Minha mulher me olhou arregalada e sem compreender nada. Ao mesmo tempo ainda não sei porque alguns começaram a gritar “Caixa, Caixa, Caixa”. Outros rindo soltaram o grito de “Box, Box, Box”. Estavam todos olhando para a torre de transmissão de TV e Rádio de costas para o campo no momento que os times entravam em campo. Eu querendo ver a escalação do Schalke e centenas de torcedores do “Galo” passando um por cima do outro com cervejas, pipocas, cachorro quente nas mãos para chegarem nos seus locais marcados. Fiquei “cercado” por todos os lados. Todos falavam alto. Ao mesmo tempo. Gritavam Galo de um lado e a tal da Caixa do outro. Pararam e segundos depois completamente sincronizados iniciaram uma música completa. Fiquei sabendo depois do jogo que era o hino do clube. Disseram que toda criança antes de aprender o nome já canta o hino e vibra na hora do refrão “vencer, vencer, vencer”. O juiz em campo e vários iniciaram uma longa lista de palavrões xingando o mesmo antes do inicio da partida. Finalmente a coisa se acalmou um pouco. Minha esposa respirou mais tranquia e se tranquilizou. Como a maioria dos torcedores começaram a assentar, achamos que o pior já tinha passado.

O Schalke está a poucos pontos de se classificar para a Champions League. Confiantes começamos a cantar “Vorwärts Schalke” “Para frente Schalke!”. Imediatamente todos ao meu redor, viraram para minha direção e me encararam. Depois como leões começaram a urrar uma musica sobre uma tal de “Maria que treme”. Pulando de uma lado para o outro sem parar. O mundo poderia estar acabando, mas o canto “Maria você treme” não pararia.

O jogo começou logo após um foguetório ensurdecedor. Gaaaalllloooo vibraram depois do último estrondo pirotécnico. Pela 10a vez o sistema de som do estádio repetia “Por favor torcedores, não fiquem perto da cerca e não bloqueiem os corredores”. Alguns policiais tentavam ajudar no processo, mas as escadas eles já tinham desistido de pedir para os torcedores alvinegros sairem. Foi aí que percebi que a arquibancada de quase vazia estava agora com mais de 5 mil torcedores mineiros. A maioria da torcida do Schalke estava atras de um dos gol. Eu bem no meio dos Galos. Deus me ajude, pensei sem mexer um músculo.

No começo do 1o tempo como todo jogo iniciamos utilizando a famosa marcação sobre pressão Alemã. Com isso tivemos uma boa chance de gol até que o beque deles tirou a bola em um chutão. Olhei para os lados. Os loucos dos Mineiros pareciam tensos. Alguns já comiam as unhas, outros já xingavam o juiz, o lateral e o técnico. Vamos ganhar pensei.

Aos 5 minutos o meio campista alvinegro fez uma pirueta passou como um raio para o lateral direito. O mesmo voando pela ponta esquerda avançou com perigo. Imediatamente a torcida se levantou. Levantaram e não sentaram mais. A jogada não deu em nada, mas ficaram em pé. Minha esposa pacientemente começou a pedir com educação “Please. Sit Down Sir”. Alguns sentaram…mas rapidamente levantaram novamente. Desta vez pulando como um bando de loucos. Era o 1o gol do Atlético. Olhei para a direita e lá estava o “Galo Doido” quase do meu lado cheio de gente ao seu redor. 15 minutos de jogo e muita gente já não assistia a partida. Fotos, gritos, correria. Um torcedor com uma bandeira saia de uma ponta da arquibancada até a outra correndo instigando a torcida a cantar. E um guarda americano atras dele tentando impedi-lo de pular a cerca. Eu não tinha visto o gol e todos continuavam em pé. Minha esposa ainda tentando “Sit Down, Sir”. Eu olhando o relógio pedindo para o final do 1o tempo chegar rápido.

Durante o intervalo a arquibancada esvaziou completamente. Saíram para comprar algo. Banheiro. Batata frita e muita cerveja. Muitos enviando fotos e se abraçando. Foi neste momento que minha mudança transcendental começou a acontecer. Pensei. Que povo alegre é este? Pareciam não ver o time jogar a séculos. Pareciam estar no último dia de suas vidas. Na minha frente um Pai colocava as suas duas crianças com menos de 2 anos de idade nos braços, nos ombros, na cabeça, embaixo das pernas e ao mesmo tempo comia, bebia, gritava, brigava com a sogra. O tempo todo. “Galo. Galo. Galo.”

O 2o tempo começou e tivemos a chance de empatar. Não vi o lance do pênalti, mas vi que imediatamente todos em minha volta se ajoelharam. Começando uma reza coletiva para o santo Goleiro pegar o pênalti. O jogo não valia nada. Pré-temporada e os torcedores solicitando ajuda divina. E não é que o santo pegou o pênalti? Eu só vi a bola voando por cima do gol e um alivio coletivo tomar conta do ar até o próximo segundo quando todos em pé cantavam “Puta que pariu…é o melhor goleiro do Brasil”. Todos parecem ídolos, gigantes, santos para estes alvinegros.

Ver a vontade de viver deles estava me impressionando. Como eu não via mesmo mais nada dentro de campo, comecei a observar a atitude dos torcedores com mais cuidado. As pessoas são incrivelmente diferentes e ao mesmo tempo semelhantes. Possuem cores e formas diferentes, mas todos possuem a mesma força. A mesma religião. São fanáticos de todas idades, alturas, pesos e barulhos.

Minha arquibancada parecia mais cheia do que no 1o tempo. Os torcedores que estavam atrás dos gols, sem permissão e ingresso, foram para a arquibancada do centro. Os funcionários americanos não conseguiam solicitar os comprovantes. Os policiais já não se importavam mais com as pessoas na cerca. O gandula tinha virado torcedor dos mineiros e a cada rara jogada perigosa do Schalke ele jogava outra bola no campo para atrapalhar o ataque. Marcava o perigo. Eles queriam sair sem tomar nenhum gol. Queriam ganhar saldo para serem campeões da Copa da Flórida.

Como ganhar deste time? Como deixar de acreditar? Eles não estavam satisfeitos com 1x0. Agora pulavam e exigiam do time “Mais um, mais um, mais um”. E esta igreja pentecostal do reino do Galo é forte. Faz milagre. Depois de uma jogada linda do meia de ligação o lateral-ponta-centro-avante Patrick. O único nome que o auto-falante americano sabia dizer sem sotaque, tocou como um gênio a bola para o gol e o mundo caiu em alegria.

Minha esposa já sem compostura pedia “Please, Sir. Please. Sit Down. Sit Down.” Ela não tinha visto nenhum dos gols. Nenhum lance. Nada. Tinha levado cerveja na roupa. Pisão no pé. Mão na bunda. Até que no meio do seu desespero, uma alma caridosa bilingüe, virou para trás e com pouca paciência disse para ela: “Minha senhora. Nos não pagamos para sentar. Pagamos para ficar em pé”.

Olhei no fundo dos lindos olhos verdes da minha amada e sem dizer nada, fiz aquela cara de “fazer o que?” Com calma e gentileza pedi para ela se acalmar, sentar ao meu lado e aguardar o final do jogo. 


O jogo estava acabando quando o cabeça de área do Atlético driblou nosso melhor meio defensor e o juiz. Olhou para o gol e acertou um chute maravilhoso. Furou a rede e o 3o gol veio. Este por sorte eu vi. E junto com uma avalanche de vozes, o gritou de vitoria tomou conta do estádio. Eles tinham conquistado o campeonato do universo.

E eu não aguentei…levantei da minha cadeira, enchi meu velho e combalido pulmão e gritei com toda força…

Aqui é Galo Porra!