
Enquando quis ter a visão alucinada dos místicos, apenas dardejei as bordas do ridículo.
Ouvia pífaros divinos, mas não perdia a realidade do abacateiro em flor.
Os pífaros desafinavam e ouvia a risada cristalina da vizinha que teimava em ser alegre em momento tão solene.
Mais de uma vez atravessei a cerca e fiz-lhe ver quão profana e inusitada era sua participação.
Em todas, levantava a saia e mostrava-me a manga rosa insana. Aturdido e pecaminoso, arrastava-me em pecado em seus meandros. E no gozo nos purificávamos, mas minha visão alucinada se perdia completamente.
Quando ela e seu casto marido se mudaram para bem longe, pude me dedicar melhor às visões alucinadas.
Reconheci arcanjos que há tempos havia me esquecido, em sua pureza original e arquiangelical beatitude, com suas espadas flamejantes.
Ouvi conselhos de santos por todos os santos. Margeei as labaredas do fogo eterno e ouvi os lamentos das almas penadas em seu sofrimento. E de todos os labirintos sempre pude sair a passos certos e decididos, mas sempre fraquejava na desembocadura de cada deles. Místico e tênue.
E se minhas visões ficavam cada vez mais alucinadas, mais facilmente podia entrar em transe.
Suaves eram os pífaros divinos, sons celestiais, acordes que levavam à levitação.
Os santos, os arcanjos, os labirintos, as labaredas eternas, tudo muito íntimo e a meu alcance.
E no dia em me preparava para a levitação consagradora, a que leva ao cosmos, ouvi a risada cristalina da antiga vizinha que teimava em ser alegre, que atravessara a minha cerca e mostrava-me a manga rosa insana.
Ainda a levei comigo uns três palmos acima do chão, mas logo caímos em frenético gozo e perdição.
Arthur Lopes Filho