Artur Lopez: Um Homem Elegante

Está morto: podemos elogiá-lo à vontade (Machado de Assis)

Quando Assis de Souza foi a óbito, os amigos passaram a recordar e elogiar sua postura sempre muito elegante.

Culto e refinado, amante da literatura portuguesa, havia lido todos os livros de Eça. Gostava de música erudita e das obras de pintores renascentistas. Incapaz de praguejar em público e havia dúvidas se o fazia no recôndito do banheiro, onde quase todos se esbaldam.

Nunca havia demonstrado irritação, por menor que fosse, com Dona Marialina, sua venerada esposa. Uma santa, religiosa e sempre pronta a ajudar pobres e famintos, dedicada à família com desvelo e muito amor. Mas logo após o óbito, ainda no velório, um dos amigos comentou que ela era de “uma feiura de espantar lobisomem” e, por isso, Assis de Souza poderia partir em paz, ninguém daria de cima dela. Os amigos recordaram que ele era o melhor advogado da cidade, um causídico de escol, capaz de fazer uma sustentação oral perante o Pleno do Tribunal de Justiça do Estado e sempre obter ganho em suas causas. Mas ainda assim, preferia morar em sua cidade do interior, o que era muito elogiado.

Algumas más línguas, infelizmente sempre há, diziam que não mudava para a Capital para não expor a feiúra de sua amada esposa nos elegantes saraus promovidos pelo Governador Ephigênio Cantídio. Vez e outra se deslocava para a Capital Federal no Rio de Janeiro, para defesas junto ao Supremo Tribunal Federal, sempre com pleno sucesso. Tinha como pouso o Hotel Serrador em que se hospedavam deputados e senadores da República. Certa feita não resistiu aos encantos de Olímpia Claudete, cobiçada Relações Públicas do hotel, que concedia favores remunerados a hóspedes escolhidos e acabou partilhando do leito da linda ruiva.

Talvez tenha sido um dos raros adultérios ocorridos em sua vida, mas indelével em sua memória. Elegante em sua postura, poucos, muito poucos amigos ouviram seu relato: o juiz de direito, o promotor público, o delegado de polícia, o farmacêutico, o médico da família, o prefeito e o vereador Zeca da Lulu, seu companheiro de infância. Este o único que após o óbito contou para outros amigos. Em seu refinado relato havia detalhes que inundaram de inveja a todos.

Assis de Souza contou como, levado pela coragem causada pela máxima existente de que “quando a cabeça de baixo esquenta a de cima perde o juízo”, abordou Olímpia Claudete. Contou como subiram para o apartamento dela e como a fragrância da moça lhe inundou as dilatadas narinas quando ela ficou completamente nua.

Descreveu em detalhes cada passo do inebriante acontecido esclarecendo que a todo o tempo a voz rouca da linda ruiva o incentivava a se perder no vórtice da loucura. E aos amigos invejosos e boquiabertos, arrematou seu relato afirmando que tudo ficou profundamente gravado em sua memória, mas abissal foi o detalhe de ela fazer com que o saco escrotal dele continuamente esfregasse os lábios vaginais dela, em sucessivos coitos de louca vertigem.

Para remissão do pecado fez o mesmo relato no confessionário e o pároco lhe concedeu o perdão, mas perdeu noites de sono levado pela tentação das cenas.

Agora diante do seu óbito, todos ouviram o piedoso sacerdote na encomendação do corpo, sinceramente dizer: “Dr. Assis de Souza sempre se conduziu com uma postura muito elegante em sua retidão de caráter, não há quem possa me contradizer, que Deus lhe assegure um santificado repouso eterno.”

Todos disseram amém e Dona Marialina em prantos com profusas lágrimas, teve que ser retirada da sala mortuária pelos filhos, por não permitir que se fechasse o caixão.

Para todos tudo muito penoso e triste.

Apenas Zeca da Lulu, seu companheiro de infância que, impenitente, ficou a lembrar do detalhe do saco escrotal do amigo esfregando os lábios vaginais da ruiva do Rio de Janeiro.