Urtigão: Os Empreendedores do Palco e o Homem que ousou Criticar John D. Rockfeller

Em um país onde até a presidente da república falsifica o currículo, não é difícil encontrar outros "gênios" capazes de tal proeza.

Há dias surgiu uma polêmica em torno de uma bela moça paulista de nome Isabel Pesce Matos, mais conhecida nos meios empresariais cibernéticos como Bel Pesce. Depois dela, surgiram polêmicas em torno do currículo de Luiz Marins Filho, outro expoente do mesmo ramo da moça. Além do currículo com fatos duvidosos, têm em comum o fato de serem expoentes do empreendedorismo de palco, lucrativa atividade de vários gurus de palestras no Brasil.

Deixemos a polêmica dos currículos de lado e passemos a narrar um fato verídico.

Durante doze anos, fui responsável por uma feira de panificação em Belo Horizonte. Tivemos sucesso até que os paulistas, que tinham uma feira igual e mais antiga, resolveram reagir e fizeram o nosso empreendimento minguar. Uma pena. Através da panificação, ganhei o pão de cada dia durante onze anos.

Os meus sócios na empreitada eram os responsáveis pela Associação e pelo Sindicato da categoria. Embriagados pelo sucesso que dependia do meu suor e marcação cerrada, resolveram que a exemplo de São Paulo, deveríamos ter sempre conferencistas de renome, para motivar os padeiros. Não via muita utilidade. Palestrantes ficam bem em congressos, seminários e atividades afins. Feira depende de expositor e comprador. Se tirarmos os compradores da feira e os colocarmos em auditórios, estaremos esvaziando a parte comercial do negócio. Enfim, fui voto vencido e tive de concordar com mais uma despesa.

No primeiro ano da novidade, o palestrante foi o Marins acima nomeado. No ano seguinte, Carlos Alberto Júlio e depois Max Gerhinger. Todos eles, muito simpáticos, solícitos e cativantes, à exceção do Marins. O caixa pagador era eu e tratavam-me bem. Passagem, transporte, lugar para vender livros e o cachê . Do último, Max, lembro-me bem: custou R$ 25.000, fora despesas. Tudo cash, com antecipação de cinquenta por cento.

E é exato deste senhor de bela voz, cabelos brancos e rosto de alemão bem tratado, que vou contar uma breve história.

Começou a sua fala dizendo o óbvio. Todo negócio deve mudar. Os clientes e o tempo ditam a moda. Quem não muda, está fadado a fracassar, mesmo depois do sucesso. Nada demais.

Entretanto, a audácia do senhor Gerhinger foi muito mais longe.

Projetou um slide de uma lata de Super Flit, da Esso, que competia em mercado de inseticida com o Detefon. Contou a história do Super Flit, falou termos bacanas tipo "market share" e tome falação . Depois, narrou a doença e a morte do bravo inseticida.

Causa mortis: incapacidade de mudar. Falta de visão mercadológica. Inseticida que necessitava de uma bomba para aspersão e outras coisas mais em tempo de aerosol e outras modernidades. Morreu o Super Flit. Uma pena!

O senhor de cabelos brancos e voz de barítono era mesmo atrevido. Acabara de criticar para uma platéia de padeiros a Esso Brasileira de Petróleo, que no tempo do inseticida ainda era Standard Oil, a segunda maior empresa do mundo, abaixo apenas da General Motors, empresa fundada por John David Rockfeller, um dos titãs da indústria americana. 


Para ser empreendedorista de palco é preciso muita coragem. E pensar que tal valentia me custou muito suor. Pensar que o palestrante acima retratado deixou de dizer que a Standard Oil foi a primeira empresa do mundo a ter um produto global, o querosene, essencial para iluminar cidades em todo o planeta. Depois da lâmpada de Edson, o produto perdeu mercado. Segundo ele, a empresa que era incapaz de mudar, passou a produzir gasolina para os carros do senhor Ford e outros. Só no Brasil não atentaram por mudanças . Êta nois!

Pena que o dito senhor também não lembrou que o tal produto não mais interessava à empresa. Tinha DDT, Piretro, Rotenona e querosene. O DDT, grande aliado dos americanos na guerra do Pacífico, tinha efeitos residuais fortes. Não só o Super Flit saiu do mercado mas também o Detefon, que o próprio nome indica que tinha DDT. Pouca memória ou não se ater a verdade dos fatos?

Por último: os aerossóis foram grandes responsáveis pela destruição da camada ozônio. Só depois, foram aperfeiçoados.

Para uma empresa que era detestada pela esquerda brasileira, para que se meter em encrencas?

Urtigão (desde 1943)