O Guia e o Cego - Arthur Lopes Filho

Era o tempo de guia de cego que ia na frente, segurando a ponta de uma vara de bambu, e o guiado ia atrás segurando a outra ponta. A missão do guia era evitar que o cego caísse em buracos, tropeçasse nas calçadas, e, ainda, avisar a hora de pedir a esmola. 

Normalmente o trabalho de guia era feito por meninos, pois naquela época menino podia ter ofício. O guia tinha direito a receber parte da arrecadação do cego. Se alguns levavam a sério o ofício, outros gostavam de sacanear o guiado.

Em Pirapora quando chovia, formavam poças de água no meio das ruas. E Zezinho, de ofício guia, levava o cego Neneu a entrar nas poças, claro que levava vigorosas varadas. 

Mas o prazer maior do Zezinho era levar o guiado ao Armazém de Secos e Molhados do Belarmino. Este em vez de deixar o bacalhau nas barricas, pendurava as partes mais suculentas para chamar atenção dos fregueses. Zezinho passava bem perto das partes penduradas e o pobre Neneu sempre suspirava de prazer, repetindo com alegria:

- Meu Deus que moça alta, que beleza!


Arthur Lopes Filho