Romeu, o Breve - Artur Lopes

Romeu taciturno e breve, pungente: os sóis da memória queimando a lembrança de outras saudades. Lágrima por lágrima no silêncio da noite da morte. Quando no amanhecer rufarem os tambores, haverá o cheiro da pólvora, fuzis que aniquilam a vida, o último suspiro. Romeu taciturno e breve. Deixou de amar a virgem do sonho dourado. Deixou de trazer o ramo de esperança ao velho deitado. Deixou de querer o terno carinho de modo brusco, insolente. Ah! Se pudesse voltar atrás nos dias. Ah! Se pudesse renascer na glória do grito primeiro da vida. Mas deixados os planos de lado, deitado de dorso, quem sabe se não haverá amanhã. Se amanhã não haverá tambores, fuzis: redenção. Lá fora a sentinela, seus passos, compasso de espera. Em cada instante da noite o cheiro da morte, as sobras da vida. E se pedisse perdão? E se dissesse quanto sentia não ter podido evitar? E se devagarzinho chorasse? E se mostrasse a chaga do peito? Que adiantaria dizer agora cada frase, palavra por palavra, sílaba por sílaba. Que adiantaria agora depois de tudo. Do julgamento consumado, réu confesso, condenado. Deitado de dorso, olhando sem enxergar, lágrima e dor. A sentinela lá fora, seu passo, compasso. Talvez se gritasse, talvez se urinasse. Ah! Quanto medo da morte. Ah! Se pedisse perdão. Pensou no crime que cometera: tão tolo se julgado com mais esperança. Pensou na pena dura, sem compaixão. Ah! Se pudesse mostrar seu remorso. Ah! Se pudesse mostrar sua dor. A dor que lhe sufoca, que engasga o riso, que não permite nem chorar. Ah! Se pudesse mostrar os sóis da memória queimando a lembrança de outras saudades e não o sol que se levanta ao amanhecer. Cadência de passos, compasso de fora: é hora de tambores rufarem, do cheiro da pólvora, do último suspiro, quanto pavor! Seu crime tão tolo se julgado com mais esperança. Romeu, taciturno e breve, pungente, acorda do sonho maldito que vez por outra vai se repetir.


Artur Lopes