Urtigão e o Natal

Papai Noel com "quem" o transformou...
Sou velho. Não tanto quanto o Papai Noel, mas sou velho. Sou do tempo em que o velho mora na Lapônia e usa um trenó puxado por renas e não era moda no Brasil.

Entre nós, reinava o presépio. Cristo na manjedoura, José, Maria, os Reis Magos e os animais. Tudo simples, numa gruta feita de pano escuro engomado de grude e marchetado de pó de pedra e malacacheta. Coisa de cinema. Uma estrela de cauda, que os astrônomos viam nela um cometa, encimava a gruta.

Foi ela, a estrela, a responsável pela boa nova e pela vinda dos Reis Magos. Nascia o filho de Deus.

Papai Noel era coisa de pagãos e a Santa Madre Igreja o condenava.

Eu nunca gostei de Natal. A primeira vez que ganhei um presente foi em 1950. A situação financeira dos meus país estava melhorzinha. Ganhei um carrinho de matéria plástica, uma baratinha de corrida. Minúscula. Quebrou ainda de manhã. Pelo menos, de comes e bebes este Natal foi bom. Morávamos no interior e a fartura era grande.

No ano anterior o Natal limitou-se a doce de leite com queijo.

Daí pra frente, acostumamos com natais sem presentes. Muita dificuldade. Seis filhos pequenos. Meu pai já cego, impossibilitado de trabalhar e minha mãe aguentando o tranco com o salário de diretora de grupo escolar.

Se Cuba é exemplo por ter saúde e educação para todos, na minha casa isso já existia desde o início da década de cinquenta. Boa educação, médico e remédio nunca faltou. Comida também, não. Roupa, calçado e boniteza, tudo era na conta certa. Nada de luxo. Se quisesse alguma coisa além, que lutasse para tal.

E toca a catar sucata de alto-forno, garrafa vazia, fio de cobre, chumbo e tudo mais que fosse vendável. Dava um dinheirinho para o cinema, o picolé e as figurinhas.

Serviço também em casa. Lenha para rachar. Carvão para buscar, leite idem, carne idem. Depressa e sem demora. Menino que demora na rua está aprontando.

Filho de diretora de grupo tem de dar bom exemplo. Tirar boas notas e ter bom procedimento. Para o primeiro item, verdade. Para o segundo, pura mentira.

Os natais se resumiam em comida melhor. Frango ou lombo de porco, macarronada, arroz de forno e doce “quatro em um" da Cica. Um luxo.

Dessa forma aprendi a não gostar do Natal. Com o passar dos anos, já trabalhando em hotéis, acostumei a trabalhar no dia de Natal.

Em 1974, passei o Natal sozinho em um hotel em Sete Lagoas, no qual eu era gerente. Não tinha hóspedes. Só eu. Dispensei os funcionários e somente eu fiquei no Lago Palace Hotel.

A rotina de trabalho no dia 25 de dezembro continuou por anos e anos. Continuo não gostando de festas natalinas. Considero tudo uma hipocrisia sem igual. Ficar alegre sem estar alegre. Adotar uma cartinha de uma criança somente no Natal, sabendo que o momento de alegria será como fogo fátuo. Fugidio e impalpável.

Acho desumano, imbecil, uma forma de se mostrar politicamente correto uma vez no ano. Furar os olhos de todos durante 364 e no dia de Natal ser bom, dar um presente a uma criança desconhecida.

Ela continuará albergada, Sem perspectiva é sem futuro.

Uma nota:


Na ultima postagem elogiei a postura dos colombianos com relação ao atendimento aos brasileiros vítimas da tragédia ocorrida com a equipe da Chapecoense. 


Na mesma noite, eles extrapolaram todos os limites possíveis no tocante a civilidade e boas maneiras, virtudes tão escassas entre nós brasileiros, notadamente nas torcidas de times de futebol.

A cerimônia organizada pelo Clube Atlético de Medellin em homenagem às vítimas do desastre foi um espetáculo de grandeza e de educação de um povo.

E mais: sem dinheiro público.

Que sirva de lição para todos os brasileiros. Para os dirigentes de clubes, torcedores e homens públicos.


Urtigão (desde 1943)