Urtigão e Coisas Sérias. Seu Avô Tropeiro.

O meu vizinho de blog, poeta e prosador Arthur Lopes, que teima em chamar aquilo que antigamente chamávamos de "perseguida" e nos dias de hoje vai de “oferecida" a "borboleta" - como quer o lírico Arthur - levantou um assunto que me toca de perto. Os tropeiros.

O meu avô, Lafayette Vasconcellos Barros, filho de Jerônimo Américo de Azevedo Barros e Mariana Augusta de Vasconcellos Barros foi tropeiro.

Matriculado no Colégio do Caraça como seus irmãos, viu-se obrigado a abandonar os estudos em razão de uma febre escarlatina. Dos homens da casa, foi o único que não concluiu estudos regulares. Seu irmão Sebastião, graduou-se em Farmácia em 1904 em Ouro Preto, Jerônimo era Normalista, Felicio, Dentista, Levy, Padre pelo Seminário de Mariana e Doutor em Direito Canônico em Roma. Lafayette, com nome de general francês, voltou para a Fazenda do "Mata-Cavalos", para ajudar seu pai, Jerônimo do "Mata-Cavalos" na lida da roça e a puxar tropa. Tropa bonita e bem ajaezada, que buscava mercadoria vinda do Espírito Santo através do Rio Doce e atracava no Porto de Figueira, hoje Governador Valadares e descia até Ouro Preto, onde já existia uma ponta de ramal de estrada de ferro.

Pelo caminho, através da Estrada Real, vários ranchos que se tornaram pousos famosos como São Miguel do Piracicaba, João Monlevade (onde no século dezoitoo francês do mesmo nome montou uma fábrica de ferro), Santa Bárbara, Ipoema, Itabira, Catas Altas, Mariana. Traziam e levavam mercadoria.

Meu avô morreu novo. Colhido por um câncer no esôfago, foi-se em 1920. Naquele tempo não tinha nenhuma possibilidade de cura ou tratamento. Sua idade: quarenta anos. Minha avó morreu seis meses antes, de parto. Meu pai era o terceiro de onze filhos. Na época estava com onze anos. Comeu o pão com o Diabo amassou com o rabo. Sobreviveu e viveu até a década de noventa. Era manco de uma perna, devido a um acidente aos sete anos. Ficou cego aos quarenta e um. Nunca desanimou. E nós a reclamar por qualquer coisa. Choramos de barriga cheia.

- o nome de meu avô consta de um documento do Colégio do Caraça, possivelmente uma folha de chamada, do final do século XIX.

Notas Sérias:

1) Um livro essencial para quem quiser conhecer a importância do tropeirismo é o "Banqueiro do Sertão", de Jorge Caldeira. Livro de fôlego, dois volumes com mais de mil páginas. Quem se dispuser a ler, ficará como as tropas cruzavam o interior do Brasil, saindo de São Paulo, descendo pelo Paraná, RS, Assunção, indo até Potosi na Bolívia, a Capital da Prata, na época, a maior cidade das Américas, centro de mineração que nada produzia além de prata. Tudo que se comia e vestia por lá era produzido no Brasil e carreado em lombo de muares. O banqueiro do sertão era o Padre Guilherme Pompeu de Almeida. Vale a pena ler.

2) O tropeiro tem muita importância em Minas mas também em outros Estados: São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Bahia e os Estados do Centro-Oeste muito devem aos tropeiros. Em Taubate, São Paulo, a partir da criação da primeira casa de fundição de ouro para cobrança do quinto, o tropeirismo criou raízes e se alastrou. Sorocaba, também em São Paulo, abrigou por muito tempo a maior feira de muares do Brasil. Em Minas, temos Museu do Tropeiro em Ipoema e Itabira. No Paraná, na Cidade de Castro. No mesmo Estado, em Lapa, existe um monumento ao tropeiro.

3) Na culinária, a herança dos tropeiros é flagrante e atual. Em Minas, o feijão tropeiro é prato típico. Em São Paulo é o virado à paulista. Se não me engano, o feijão tropeiro dos antigos era feito com ovos cozidos. O suporte para café, onde se coloca o coador de pano, de nome "mancebo", é herança dos tropeiros.

4) Para terminar: os mascates, inclusive os do zebu, também eram tropeiros. As comitivas eram menores e a mercadoria, outra. No entanto, viajavam em lombo de muares. Isso é outra história e combustível para outro texto.


Urtigão (desde 1943)