Sem Sassaricar, esta Vida é um Nó! - Mônica Theiser

É, talvez não seja o momento ideal para pensar em Carnaval no Brasil. Como na Copa do Mundo ou nas Olimpíadas, depois que a festa acaba, o caos persiste, e sabemos disso. A crise no Brasil é devastadora, e não é só econômica, mas também política e ética, com o maior escândalo de corrupção da história do país. Dizem por aí que se trata até do maior caso de corrupção do mundo. Desemprego para todo lado, arde a consulta ao saldo bancário. Perspectivas de avanço na economia? Os mais otimistas afirmam que talvez no 2º semestre de 2018 a situação comece a ser mais estável. Ou seja...teríamos que pular dois Carnavais?


Impossível! Não dá.

Já dizia Chiquinha Gonzaga em 1899: “ Ô Abre Alas que eu quero passar, peço licença para poder desabafar”.

Esses quatro dias em que o Brasil simplesmente pára são o principal espaço para este desabafo. O Brasil é e sempre será a terra do Carnaval. O país precisa dessa pausa. Querer calar este grito é acabar com uma alegria que contagia o mundo, é acabar com a esperança. É como cantam os Originais do Samba, “Os sonhos não podem se tornar esperanças perdidas, sem a cadência do samba eu não posso ficar.”

O carnaval enche de cores essa rotina tão cinza dos brasileiros. As fantasias libertam os pierrots, os políticos e as odaliscas ocultos pelos papéis assumidos no grande teatro da vida. Como num passe de mágica, faz com que todos os problemas desapareçam, ao mesmo tempo que consegue unir milhares de pessoas tão distintas em suas escolhas, nas suas raças, suas crenças e em suas memórias.

O seu ritmo é contagiante e conduz o batuque dos corações carnavalescos. Do frevo ao maracatu, do samba enredo ao de raiz, do candomblé ao axé. É quase impossível ficar imóvel ao som forte e encorpado da bateria de uma escola de samba ou não se deixar seduzir pelo choro das cuícas e os malabarismos dos pandeiros.

Sem falar nos textos que emocionam há décadas, contando histórias, narrando poesias, revelando a beleza mesmo na mais profunda tristeza. A “Aquarela Brasileira” é um bom exemplo disso, um samba enredo da Império Serrano, que, desde 1964, apresenta uma maravilha de cenário, revelando o Brasil em forma de aquarela. Ou a União da Ilha com “É hoje”, em que basta o primeiro acorde para o coro se formar e a galera levantar, cheio de euforia, para desfilar.



Como calar no peito o que despertam mesmo os sambas mais clássicos de Cartola, Noel Rosa, Orlando Silva, Nelson Cavaquinho, Jamelão, mestre Paulinho da viola, Candeias e seu belíssimo “Preciso me Encontrar”?

Ainda temos o samba paulista de Adoniran Barbosa, sua “Saudosa Maloca” ou “Trem das Onze”, histórias populares que ele conseguiu eternizar com seu bom humor e sotaque ítalo-paulistano.

Há um grupo de doidos por aí tentando silenciar algumas das mais adoráveis marchinhas de Carnaval, por considera-las ofensivas, mesmo sabendo que estamos falando de canções que, há décadas alegram diferentes gerações, sem nunca resultar em algum tipo de trauma ou preconceito. São os tais politicamente corretos que, a bem da verdade, são todos uns chatos. Mas o brasileiro não se abala, ao contrário, é criativo e vai vivendo o dia-a-dia mergulhado na magia que vem com o Carnaval.

O melhor a fazer é pelo menos tentar guardar os problemas nas gavetas por alguns dias. Ninguém é obrigado a gostar do Carnaval. Cada um deve aproveitar esta pausa para viver a sua fantasia. Agora deixar para lá tanta alegria porque o Brasil está em crise? Aí não. Isso é o mesmo que tomar um gole de cerveja de uma garrafa aberta no dia anterior.

Pois sem sassaricar, esta vida é um nó.

Para os mais animados, seguem os links de algumas canções mencionadas no texto. Bom divertimento.

https://www.letras.mus.br/chiquinha-gonzaga/242251/
https://www.letras.mus.br/marchinhas-de-carnaval/473888/
https://www.letras.mus.br/os-originais-do-samba/394828/
https://www.letras.mus.br/imperio-serrano-rj/747715/
https://www.letras.mus.br/uniao-da-ilha-rj/49206/
https://www.letras.mus.br/cartola/68347/
https://www.letras.mus.br/adoniran-barbosa/43969/


Mônica Theiser