Tique Nervoso - Crônica Jornal “Estado de Minas - 16/03/2018 - Mário Ribeiro

Consumo na Kanchenjunga
Quase não o reconheci ao cruzar com ele em esquina perto de casa. Com uma barba negra como as asas da graúna, bigode quase tampando a boca e estranhas roupas coloridas, natural que não reconhecesse o amigo ex-doido que fazia tempo não encontrava nas esquinas da vida.

Surpreso, perguntei com imperdoável agressividade:

- “Uai, o que deu em você? Quase não o reconheci…”

Sua resposta foi à altura de minha inconveniência:

- “Também não o reconheci. Inacreditável alguém como você não prestar atenção ao mundo em constante avanço e observar melhor as mudanças em alta velocidade. É horrível lhe dizer mas você é alguém totalmente ultrapassado sobre o mundo atual, amarrado a tudo de antigo que tem encravado em sua mentalidade tacanha”.

Não retruquei. Eram muitas suas razões para censurar meu sarcasmo politicamente incorreto em relação a ele.

Meio sem jeito e envergonhado, quis saber o que tem feito.

“- Viajo alucinadamente como forma de ajudar na recuperação da nossa economia. Outro dia voltei de Kanchenjunga, terceira montanha mais alta do mundo, com 8.599 m de altitude, no Himalaia, entre o Nepal e a Índia. Foi ótimo. Até quiseram me fazer monge. Não foi possível a sagração porque minha passagem de volta estava marcada para o dia seguinte”.

Lamentei. Seria uma boa ele como monge e exemplo para tantos que se perdem no consumismo desbragado.

Ele repreendeu severamente minha sugestão

- O que seria do mundo se parássemos de consumir?

Para que polemizar com meu amigo ex-doido…

Com moral lá em baixo, me despedi deixando-o seguir com suas idéias avançadas e seu tique nervoso tradicional.



Mário Ribeiro