Li um excelente artigo do editor de livros Carlos Andreazza publicado no O Globo. Vale a pena procurar na edição de 07/03 o belo texto. Em síntese, o escritor compara o Brasil a uma alegoria de carnaval. Por fora, bela viola. Por dentro, pão bolorento.
http://oglobo.globo.com/opiniao/gres-indecentes-do-berco-esplendido-21021322
A comparação é perfeita. No carnaval passado vimos o desastre de duas alegorias. Uma da tal Paraíso do Tuiutí e a outra, dos Unidos da Tijuca. Se não me falha a memória.
Por fora os carros alegóricos mostram-se num esplendor de brilho "cafona" tentando representar o que se passou na cabeça dos compositores do enredo.
Compositores que antes eram no máximo três, hoje formam um time de futebol. Ao que me parece, cada um coloca uma frase, umas notas de música e cantam histórias que vão das lendas amazônicas às agruras dos escravos negros, sempre sob a benção de orixás. Cantam o Egito, o Nilo e, quem sabe, até a Rainha de Sabá. Uma algaravia que se canta na Marquês de Sapucai, com mulheres (segundo o escritor) com seios desnudos e impensáveis.
Uma beleza de ópera, com um só ato com tempo marcado, uma hora e quinze, sem descanso e sem pausa. Setenta e cinco minutos para mostrar o trabalho de um ano. No linguajar politicamente correto, da comunidade irmanada num espetáculo efêmero e às vezes sem muito sentido.
Debaixo das alegorias, a realidade dos fatos. Velhos chassis de caminhões e ônibus, soldados, desempenados e com rodas acrescentadas para caber tudo que se passou na cabeça do carnavalesco. Estruturas mambembes, tal qual cenário de teatro amador que vive às custas de tapadeiras, bambolinas e outros adereços fixados com fita crepe. No palco, os figurinos também são ajustados com a mesma fita, obrigando o ator a permanecer em um só plano para não ser visto de ângulos improprios. Se formos mais além, veremos que por trás da escola e da comunidade, orbita um bom número de contraventores e figuras de crônicas policiais.
Antes eram os bicheiros como o legendário Natal da Portela. Ou o Capitão Guimarães da Vila Isabel que deixou o posto para o filho caçula.
Tal e qual o Brasil, sob uma estrutura política viciada, eivada de criminosos inscritos em vários artigos do Código Civil e Penal.
São também alegóricos mas com uma diferença brutal que não se desfaz: não são efêmeros. São quase permanentes.
Sistema de senhores feudais, de donatários de capitanias, passando de pai para filho o comando da Nação.
Nada lhes escapa. Nada adianta dizer que existem três poderes e cabe a cada um a fiscalização e a punição dos infratores da Constituição Cidadã.
Conversa fiada. O judiciário é também um feudo de famílias e escritórios de advocacia coroados. Tudo regido por corporações que de uma forma ou de outra manipulam o destino de duzentos milhões.
Um espírito de corpo inatingível, que sobrevive a tudo e a todos.
Do lado de fora, adereços e boniteza. De dentro, estrutura cada vez mais roída pelos privilégios em benefício de poucos.
Urtigão (desde 1943)
Urtigão é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, nascido em Rio Piracicaba em 1943.
A comparação é perfeita. No carnaval passado vimos o desastre de duas alegorias. Uma da tal Paraíso do Tuiutí e a outra, dos Unidos da Tijuca. Se não me falha a memória.
Por fora os carros alegóricos mostram-se num esplendor de brilho "cafona" tentando representar o que se passou na cabeça dos compositores do enredo.
Compositores que antes eram no máximo três, hoje formam um time de futebol. Ao que me parece, cada um coloca uma frase, umas notas de música e cantam histórias que vão das lendas amazônicas às agruras dos escravos negros, sempre sob a benção de orixás. Cantam o Egito, o Nilo e, quem sabe, até a Rainha de Sabá. Uma algaravia que se canta na Marquês de Sapucai, com mulheres (segundo o escritor) com seios desnudos e impensáveis.
Uma beleza de ópera, com um só ato com tempo marcado, uma hora e quinze, sem descanso e sem pausa. Setenta e cinco minutos para mostrar o trabalho de um ano. No linguajar politicamente correto, da comunidade irmanada num espetáculo efêmero e às vezes sem muito sentido.
Debaixo das alegorias, a realidade dos fatos. Velhos chassis de caminhões e ônibus, soldados, desempenados e com rodas acrescentadas para caber tudo que se passou na cabeça do carnavalesco. Estruturas mambembes, tal qual cenário de teatro amador que vive às custas de tapadeiras, bambolinas e outros adereços fixados com fita crepe. No palco, os figurinos também são ajustados com a mesma fita, obrigando o ator a permanecer em um só plano para não ser visto de ângulos improprios. Se formos mais além, veremos que por trás da escola e da comunidade, orbita um bom número de contraventores e figuras de crônicas policiais.
Antes eram os bicheiros como o legendário Natal da Portela. Ou o Capitão Guimarães da Vila Isabel que deixou o posto para o filho caçula.
Tal e qual o Brasil, sob uma estrutura política viciada, eivada de criminosos inscritos em vários artigos do Código Civil e Penal.
São também alegóricos mas com uma diferença brutal que não se desfaz: não são efêmeros. São quase permanentes.
Sistema de senhores feudais, de donatários de capitanias, passando de pai para filho o comando da Nação.
Nada lhes escapa. Nada adianta dizer que existem três poderes e cabe a cada um a fiscalização e a punição dos infratores da Constituição Cidadã.
Conversa fiada. O judiciário é também um feudo de famílias e escritórios de advocacia coroados. Tudo regido por corporações que de uma forma ou de outra manipulam o destino de duzentos milhões.
Um espírito de corpo inatingível, que sobrevive a tudo e a todos.
Do lado de fora, adereços e boniteza. De dentro, estrutura cada vez mais roída pelos privilégios em benefício de poucos.
Urtigão (desde 1943)
Urtigão é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, nascido em Rio Piracicaba em 1943.