Parte da fachada do "Minascentro" (ao fundo) e Merdado Central na frente, foto (Wilson Baptista) |
Foi uma bela viagem ao passado. Tão bom encontrar pessoas amigas… Melhor ainda encontrar uma cidade inteira a louvar a obra e a memória de minha mãe. Orgulho é pouco. Por várias vezes quase fui às lágrimas.
Tive um belo encontro com duas professoras que trabalharam com ela na fundação do "Jardim de Infância Ana Cintra", uma das primeiras pré-escolas do interior, criada em 1956, criação de minha mãe, orgulho da cidade que no ano passado fez sessenta anos.
Uma bela conversa. Uma delas, de nome Neusa Ferreira Regal, contou-me a seguinte narrativa que agora transcrevo. Disse-me ela:
"Em certa altura da vida teve sérios problemas renais. Um enorme cálculo, que comprometia as funções dos rins e era impossível de ser expelido. Outros tempos nos quais não haviam muitas técnicas de diagnóstico e a cirurgia para retirar a "pedreira”: ia do umbigo ate o início da coluna vertebral.
Em pouco tempo começou a urinar sangue. Sorte dela que estava bem assistida. Caiu nas mãos do melhor urologista de Minas na época, o Dr. Aparicio Silva de Assis, professor da Faculdade de Medicina, com doutorado nos USA.
O grande médico a tranquilizou:
"D. Neusa, não é câncer. No entanto a senhora tem de ser operada o mais breve possível".
D. Neusa lhe disse que como professora, era segurada do Ipsemg. A solução era ser operada no Hospital da Previdência.
Segundo ela, de imediato, o mestre Aparicio pegou telefone e discou para o seu colega no Ipsemg e explicou a situação. Do outro lado da linha, o médico burocrata retrucou:
"Aparicio: não adianta mandar a "bomba" para mim. Não vou operar e pronto!!!"
Ao que o Dr. Aparicio, raivoso, quase a deixar cair o seu inseparável cachimbo explodiu:
"Seu cavalo de maminha. Jogue seu juramento no lixo e fique sabendo que eu vou operar a D. Neusa. Certamente estará melhor comigo".
Nessa altura do entrevero, D. Neusa se debulhava em lágrimas. Não tinha a mínima condição de pagar os honorários do grande cirurgião e sua equipe. Ao explicar o tamanho de tanta choradeira, ouviu do médico:
"D. Neusa. Não lhe cobrarei nada pela cirurgia. A única condição é a senhora consentir que meus residentes assistam a cirurgia, que será feita aqui no Hospital das Clínicas. Os custos adicionais de anestesista, instrumentador, enfermagem, internação, etc., nós enviaremos para o Ipsemg . Fechado?"
Foi operada com pleno sucesso, sem problemas.
Durante muitos anos D. Neusa demandou junto ao Ipsemg para tentar saber a respeito dos custos adicionais. Nunca apareceram. Ficou a lição de um mestre da medicina e de sua solidariedade. Que Deus o tenha. Ele fez por merecer!!!
Uma nota:
Conheci o famoso médico, pessoalmente, em 1983, quando era Superintendente do Minas Centro. Estávamos em plena obra. Dr. Aparicio apareceu por lá e fez uma reserva para um congresso brasileiro de urologia. Desconfiado perguntou-me:
"Isso vai ficar pronto há tempo? Obra de governo é igual igreja. Não acaba nunca".
Disse-lhe para ficar tranquilo. Ao que ele retrucou: "Você vai se cansar de mim; virei aqui toda semana conferir.
Disse-lhe que era um prazer, já cativado pela figura singular. Cachimbo, gravata borboleta e seu bigode. Às vezes acompanhado da esposa, uma americana simpática de nome Jo Ann.
Numa das visitas, apresentei a ele o arquiteto da obra.
O dito, todo solicito, com os modos peculiares dos arquitetos passou a dar explicações ao médico. Em dado momento, dr. Aparício aparteou:
"Meu filho vai ser arquiteto. E tem mais. Vai ser o melhor arquiteto do mundo!!!
O arquiteto do Minascentro mal teve tempo de perguntar por qual razão o médico dizia isso e ele emendou de pronto:
"O safado tem quase dez anos que está na Faculdade e não se forma nunca. Se não for o melhor, podem fechar aquela porcaria.
Urtigão (desde 1943)
Urtigão é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda que passou sua infância e parte de sua juventude em Itaúna.