Urtigão. Ministério da Agricultura, Polícia Federal e o Boi Brasileiro.

Minha mulher nasceu em Uberaba. Conheci a cidade somente no final dos anos noventa. Fui lá fazer uma palestra sobre a industria do turismo. Foi acompanhando um amigo que na época lançava a tal " Estrada Real", um projeto da Federação das Indústrias de Minas Gerais.

Nunca acreditei muito no tal projeto, mas como ex-executivo de hotelaria, de centro de convenções e na época, empresário de congressos e feiras de negócios, eu entendia do riscado. Confesso que me surpreendi com cidade. Fiz a palestra, fui bem sucedido e recebi um desafio: organizar em Uberaba um grande evento de agronegócios, a exemplo do Agrishow de Ribeirão Preto e do Show Rural de Cascavel/PR.

Superestimei o meu potencial e não soube avaliar as dificuldades de lidar com os pecuaristas de Uberaba. Dei com os burros n'agua"! Muita areia para o meu caminhão. Perdi tempo, dinheiro e tive muitos aborrecimentos. Entretanto, nada na vida é a fundo perdido.

Aprendi a respeitar os homens do Zebu. Em Uberaba, no museu mantido pela associação de criadores da raça, no Parque de Exposições, tive chance de saber e ter respeito por homens que de forma destemida, saíram de Minas e foram a Índia buscar os primeiros animais zebuíno, mais aptos a se adaptarem ao clima tropical do Brasil. Tudo isso aconteceu há mais de um século. Viagem de navio. Ida e volta.

A volta em porões, cuidando dos animais, muitos deles, mortos na viagem. Tudo difícil. Dificuldades de língua, dificuldades religiosas. Como convencer os indianos a vender os animais, sobretudo as vacas, que para eles eram sagradas? Empreitada digna de bandeirantes!!!

Dificuldades de importação, sanitárias e de transporte. Aqui chegados, outra batalha. Aclimatação e sobretudo convencimento dos fazendeiros locais das vantagens da raça em relação as outras conhecidas. Nessa parte da historia entram outros personagens pouco conhecidos. Os mascates do Zebu. Saiam de Uberaba iam de fazenda em fazenda levando os animais em comitiva, mostrando aos fazendeiros a novidade, apregoando as qualidades do gado indiano. Uma verdadeira saga. 


Não sou pecuarista, não gosto de Uberaba e não tenho procuração para defender ninguém. No entanto, o trabalho de mais de um século, desde os primeiros que cruzaram os mares e foram até Índia buscar os primeiros exemplares zebuinos, passando pelos mascates e a continuidade da melhoria da raça através de seleção genética, cruzamentos, novas importações e em épocas mais recentes, através de inseminação artificial, biotecnologia de primeiro mundo, clonagem, seleção de embriões, rastreamento de genealogia e " ranking" da raça reconhecido em todo o mundo coroaram o trabalho de mais de um século. 

Tanto trabalho, tanta dedicação, tanto esforço para ser destruído num piscar de olhos numa operação iniciada a partir de uma denúncia de um fiscal que se sentiu prejudicado. Isso sim é abuso de autoridade.

Notas:

1) José Bento Monteiro Lobato, escritor, editor, industrial e um dos maiores nomes de nossa literatura, foi fazendeiro por acaso. Em 1914 ele escreveu uma carta para o jornal " O Estado de São Paulo", na qual ele dizia que se o Ministério da Agricultura fosse extinto, ninguém notaria a falta da sinecura. Naquele tempo, o Brasil era um País essencialmente agrícola. Hoje, o MAPA tem onze mil funcionários e continua ineficiente. Sei disso por experiência própria. De nada vale. Pura burocracia e um imenso cabide de empregos.

2) Tenho um irmão que já foi fazendeiro e pecuarista. Agrônomo, formado em Viçosa em 1966, foi para o Mato Grosso em 1967 e de lá não mais saiu. Ganhou dinheiro, gastou muito, esbanjou e faliu. Ele é o verdadeiro Urtigão. Apelido que ganhou ainda na Universidade. Sempre dizia que estávamos na idade da pedra no tocante a exportação de carne bovina. De uns anos para cá, que aprendemos, acontece essa catástrofe de nome " Carne fraca". Em dois dias, o setor de proteína animal perdeu mais de 8 bilhões na Bolsa de Valores. Desse jeito nunca sairemos do buraco.

3) O mesmo irmão dizia que o brasileiro devia perder o hábito de comer carne bovina. Hábito caro pois todo mundo só gosto de " quarto traseiro" . Dizia ele: " para sustentar o hábito patrício, somente criando um boi com uma perna na frente e três pernas atrás" !!!!

4) Por fim, ponto negativo para toda a imprensa. Não saber que Ácido Ascórbico é vitamina C, é o fim do mundo. Consulte o Google. Dizer que andam vendendo carne podre e outra notícia estapafúrdia. Duzentos milhões de pessoas sem nariz. Carne podre fede. E come fede. Bons 
tempos nos quais fui "Foca" e tinha de ir todos os dias no IML. Lá sim, sentia o quanto carne podre fede. O cheiro não sai do nariz. 

Se ácido ascórbico faz mal, tiremos do mercado os pimentões, as goiabas, as laranjas, limões, siriguelas e todas as outras fontes naturais do tão afamado veneno.


Urtigão (desde 1943)
Urtigao é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, nascido em Rio Piracicaba em 1943