Ainda estava acanhada para experimentar a nova modalidade de transporte privado urbano. Em princípio, representava um risco utilizar tal ferramenta para chamar um motorista que não era taxista, e ainda com a possibilidade de dividir o carro com outras pessoas que também não conhecia.
Mas os elogios ao serviço só aumentavam em cada roda de conversa com amigos e colegas, que elucidaram a não obrigatoriedade de dividir o carro com outras pessoas, o que já podia representar um alívio. Sem contar o custo benefício de um solução inovadora para complementar a mobilidade nas grandes cidades. Ainda mais para ela, que precisa se deslocar do norte ao sul da cidade, sem possuir um automóvel e dependendo do serviço público de transporte.
As críticas na mídia ao aplicativo chamaram a sua atenção; ao mesmo tempo ela sabia que não poderia ser diferente, pois tal modalidade de transporte colocava em risco o monopólio dos taxistas.
E mesmo desconfiada, após muita insistência dos mais próximos, baixou o tal aplicativo no seu celular e partiu para a sua primeira viagem com Uber. Era um sábado.
Dizem que a primeira impressão é a que fica e aí teve sorte, pois logo de cara, além do carro chegar em exatos 3 minutos indicados na tela do celular, era um carro confortável e o motorista um mineiro, que morava há pouco tempo na cidade de São Paulo. Não demorou para começar a narrar “devagarzim” as belezas da sua terra. “Afinal moça, não há lugar mais lindo no mundo do que as Minas Gerais. Ali se sentem sabores e cheiros e existem os melhores banhos de cachoeira do mundo. A senhora conhece? “ E ela, mesmo passando por um certo aperto para entender as frases que ele dizia (não é segredo que mineiros engolem algumas palavras), gostou da prosa e contou que já havia desbravado algumas matas e cidades daquele belo estado. Inclusive, coincidentemente, estava indo ao encontro de amigos que havia conhecido em Carrancas. Foi a glória para o mineiro, que logo colocou para tocar um cd com canções de uma dupla de amigos de Carrancas. E assim ela chegou ao seu destino sem perceber a hora passar.
Numa outra viagem surpreendeu-se quando o aplicativo mostrou uma motorista mulher. Perguntou se ela não tinha medo de trabalhar como motorista, mas ela garantiu que não, inclusive o marido também exercia a mesma função. Claro que evitava alguns horários da noite, mas até o momento, o máximo que havia acontecido, foram situações súbitas, como um dia em que ela levava em seu carro passageiros com diferentes destinos: um casal, que sentou no banco de trás, e um rapaz, que sentou no banco do passageiro ao seu lado. O casal desceria primeiro e o caminho para leva-los passava por uma rua lotada de motéis, o que a deixou bastante constrangida. Mas o que ela não imaginava, é que o casal pediria para ela diminuir a velocidade pois eles gostariam de escolher um motel para ficar. E continuou a sua narrativa: “A senhora acredita que eles pediram para eu entrar com o carro no motel para que pudessem desembarcar? Imagine a minha vergonha! Mas sem escolhas, entrei no motel, deixei os dois desembarcarem e saí novamente com o outro passageiro ali ao meu lado, tão ou mais sem graça do que eu. Pedi muitas desculpas ao rapaz e logo acelerei para sair o quanto antes daquele cenário comprometedor. Já imaginou se algum conhecido me visse saindo do motel com aquele moço? Sou moça direita, casada com filho! “
Ela que sempre gostou de ouvir histórias, não hesitava mais em logo puxar conversa assim que entrava em algum carro solicitado pelo aplicativo. Era terapêutico.
Um motorista espirituoso compartilhou o caso de uma passageira que era garota de programa e que aproveitou o percurso para negociar o seu preço pelo celular com um cliente. Em seguida, pediu a opinião dele, que achou melhor concordar, dizendo que esse cliente estava maluco, imagine pechinchar ainda mais o preço? Mas o que mais indignou o motorista foi o preço cobrado pela moça de programa, pois considerando a sua aparência nada formosa, garantiu que não pagaria nem um terço do que ela estava cobrando!
Num dia de trânsito intenso, a viagem foi com um motorista que era um senhor aposentado. Mais calado, ele contou discretamente sobre a dificuldade em viver só com a aposentadoria e essa oportunidade de trabalhar como motorista do Uber, o ajudava a pagar as contas. Quando chegaram ao destino, ao lado de um parque bem arborizado da cidade, ele quebrou o silêncio como que encantado com todo o verde na sua frente. Contou que o seu sonho mesmo era poder dedicar-se à jardinagem, que lhe dava imenso prazer. Entretanto, não possuía recursos para financiar um curso em que poderia aprender mais sobre este ofício, por isso teria que deixar esse sonho de lado. Mas ela logo o estimulou a não desistir de maneira alguma, pois exatamente ali, onde ela estava desembarcando, havia uma escola com cursos gratuitos relacionados ao meio ambiente, incluindo cursos de jardinagem, para ele não deixar de visitar a escola e buscar informações. Além de anotar num papel o nome da escola que ela também frequentava, tomou a liberdade de incluir uma frase de Pablo Neruda: “Morre lentamente quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho”, o que trouxe uma alegria imediata e esperança àquele senhor tão desesperançado.
Claro que também houve aborrecimento com o tal aplicativo, cobranças indevidas de viagens ou motoristas que não chegaram. Mas a praticidade e rapidez para solucionar os imprevistos, tornaram-na ainda mais fã dessa tecnologia.
A última história que ouviu foi de amor, que não poderia faltar. Desta vez um motorista baiano, recém-chegado da Bahia, experimentando São Paulo para viver com um grande amor. Contou que se separou há algum tempo lá em Salvador e que a solidão o amargurava. Até que foi convidado para um encontro de amigos, em que reencontrou esse seu primeiro grande amor. Seu coração disparou, a perna tremeu e toda a paixão da época revelou-se mais viva do que nunca naquele momento. Mas como ela agora vivia em São Paulo, ele não hesitou em vir atrás dela e mudar-se para a grande metrópole, sem arrependimento. A decisão de trabalhar como motorista do Uber foi uma saída para recomeçar sua vida no meio dessa crise avassaladora. Confessou que a saudade da filha lhe rasga o peito, que sentia falta da brisa de Itapoã e do sabor da verdadeira moqueca baiana. Agora vem tentando convencer sua mãe a vir à São Paulo para abrir um restaurante de culinária baiana, pois ainda não havia experimentado comida tão boa quanto a dela por aqui.
Tantas histórias começaram a trazer graça e reflexão às suas idas e vindas apressadas, na tentativa de sobreviver numa cidade tão imensa e imprevisível. Lembrou-se de um texto de Moacyr Scliar que lera recentemente sobre o efeito que a contação de histórias tem sobre as pessoas. “Histórias nos dão, senão a certeza, pelo menos a sensação de que as coisas no mundo fazem sentido” .
Nessa última semana ficou preocupada pois decisões políticas e egoístas colocam em risco este meio de transporte que veio para somar e oferecer mais uma solução para a mobilidade urbana. Infelizmente as decisões mais altruístas ainda são utopia.
Para ela, não é só mais uma questão de economia, praticidade e consciência, é um tipo de resgate da cultura do encontro, nessa rotina tão anônima, isolada e insípida das grandes cidades. É olhar além de um simples aplicativo no celular.
Monica Theiser
Mas os elogios ao serviço só aumentavam em cada roda de conversa com amigos e colegas, que elucidaram a não obrigatoriedade de dividir o carro com outras pessoas, o que já podia representar um alívio. Sem contar o custo benefício de um solução inovadora para complementar a mobilidade nas grandes cidades. Ainda mais para ela, que precisa se deslocar do norte ao sul da cidade, sem possuir um automóvel e dependendo do serviço público de transporte.
As críticas na mídia ao aplicativo chamaram a sua atenção; ao mesmo tempo ela sabia que não poderia ser diferente, pois tal modalidade de transporte colocava em risco o monopólio dos taxistas.
E mesmo desconfiada, após muita insistência dos mais próximos, baixou o tal aplicativo no seu celular e partiu para a sua primeira viagem com Uber. Era um sábado.
Dizem que a primeira impressão é a que fica e aí teve sorte, pois logo de cara, além do carro chegar em exatos 3 minutos indicados na tela do celular, era um carro confortável e o motorista um mineiro, que morava há pouco tempo na cidade de São Paulo. Não demorou para começar a narrar “devagarzim” as belezas da sua terra. “Afinal moça, não há lugar mais lindo no mundo do que as Minas Gerais. Ali se sentem sabores e cheiros e existem os melhores banhos de cachoeira do mundo. A senhora conhece? “ E ela, mesmo passando por um certo aperto para entender as frases que ele dizia (não é segredo que mineiros engolem algumas palavras), gostou da prosa e contou que já havia desbravado algumas matas e cidades daquele belo estado. Inclusive, coincidentemente, estava indo ao encontro de amigos que havia conhecido em Carrancas. Foi a glória para o mineiro, que logo colocou para tocar um cd com canções de uma dupla de amigos de Carrancas. E assim ela chegou ao seu destino sem perceber a hora passar.
Numa outra viagem surpreendeu-se quando o aplicativo mostrou uma motorista mulher. Perguntou se ela não tinha medo de trabalhar como motorista, mas ela garantiu que não, inclusive o marido também exercia a mesma função. Claro que evitava alguns horários da noite, mas até o momento, o máximo que havia acontecido, foram situações súbitas, como um dia em que ela levava em seu carro passageiros com diferentes destinos: um casal, que sentou no banco de trás, e um rapaz, que sentou no banco do passageiro ao seu lado. O casal desceria primeiro e o caminho para leva-los passava por uma rua lotada de motéis, o que a deixou bastante constrangida. Mas o que ela não imaginava, é que o casal pediria para ela diminuir a velocidade pois eles gostariam de escolher um motel para ficar. E continuou a sua narrativa: “A senhora acredita que eles pediram para eu entrar com o carro no motel para que pudessem desembarcar? Imagine a minha vergonha! Mas sem escolhas, entrei no motel, deixei os dois desembarcarem e saí novamente com o outro passageiro ali ao meu lado, tão ou mais sem graça do que eu. Pedi muitas desculpas ao rapaz e logo acelerei para sair o quanto antes daquele cenário comprometedor. Já imaginou se algum conhecido me visse saindo do motel com aquele moço? Sou moça direita, casada com filho! “
Ela que sempre gostou de ouvir histórias, não hesitava mais em logo puxar conversa assim que entrava em algum carro solicitado pelo aplicativo. Era terapêutico.
Um motorista espirituoso compartilhou o caso de uma passageira que era garota de programa e que aproveitou o percurso para negociar o seu preço pelo celular com um cliente. Em seguida, pediu a opinião dele, que achou melhor concordar, dizendo que esse cliente estava maluco, imagine pechinchar ainda mais o preço? Mas o que mais indignou o motorista foi o preço cobrado pela moça de programa, pois considerando a sua aparência nada formosa, garantiu que não pagaria nem um terço do que ela estava cobrando!
Num dia de trânsito intenso, a viagem foi com um motorista que era um senhor aposentado. Mais calado, ele contou discretamente sobre a dificuldade em viver só com a aposentadoria e essa oportunidade de trabalhar como motorista do Uber, o ajudava a pagar as contas. Quando chegaram ao destino, ao lado de um parque bem arborizado da cidade, ele quebrou o silêncio como que encantado com todo o verde na sua frente. Contou que o seu sonho mesmo era poder dedicar-se à jardinagem, que lhe dava imenso prazer. Entretanto, não possuía recursos para financiar um curso em que poderia aprender mais sobre este ofício, por isso teria que deixar esse sonho de lado. Mas ela logo o estimulou a não desistir de maneira alguma, pois exatamente ali, onde ela estava desembarcando, havia uma escola com cursos gratuitos relacionados ao meio ambiente, incluindo cursos de jardinagem, para ele não deixar de visitar a escola e buscar informações. Além de anotar num papel o nome da escola que ela também frequentava, tomou a liberdade de incluir uma frase de Pablo Neruda: “Morre lentamente quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho”, o que trouxe uma alegria imediata e esperança àquele senhor tão desesperançado.
Claro que também houve aborrecimento com o tal aplicativo, cobranças indevidas de viagens ou motoristas que não chegaram. Mas a praticidade e rapidez para solucionar os imprevistos, tornaram-na ainda mais fã dessa tecnologia.
A última história que ouviu foi de amor, que não poderia faltar. Desta vez um motorista baiano, recém-chegado da Bahia, experimentando São Paulo para viver com um grande amor. Contou que se separou há algum tempo lá em Salvador e que a solidão o amargurava. Até que foi convidado para um encontro de amigos, em que reencontrou esse seu primeiro grande amor. Seu coração disparou, a perna tremeu e toda a paixão da época revelou-se mais viva do que nunca naquele momento. Mas como ela agora vivia em São Paulo, ele não hesitou em vir atrás dela e mudar-se para a grande metrópole, sem arrependimento. A decisão de trabalhar como motorista do Uber foi uma saída para recomeçar sua vida no meio dessa crise avassaladora. Confessou que a saudade da filha lhe rasga o peito, que sentia falta da brisa de Itapoã e do sabor da verdadeira moqueca baiana. Agora vem tentando convencer sua mãe a vir à São Paulo para abrir um restaurante de culinária baiana, pois ainda não havia experimentado comida tão boa quanto a dela por aqui.
Tantas histórias começaram a trazer graça e reflexão às suas idas e vindas apressadas, na tentativa de sobreviver numa cidade tão imensa e imprevisível. Lembrou-se de um texto de Moacyr Scliar que lera recentemente sobre o efeito que a contação de histórias tem sobre as pessoas. “Histórias nos dão, senão a certeza, pelo menos a sensação de que as coisas no mundo fazem sentido” .
Nessa última semana ficou preocupada pois decisões políticas e egoístas colocam em risco este meio de transporte que veio para somar e oferecer mais uma solução para a mobilidade urbana. Infelizmente as decisões mais altruístas ainda são utopia.
Para ela, não é só mais uma questão de economia, praticidade e consciência, é um tipo de resgate da cultura do encontro, nessa rotina tão anônima, isolada e insípida das grandes cidades. É olhar além de um simples aplicativo no celular.
Monica Theiser