Urtigão, Diversidade de Línguas e o Perigo da Mudez

Gosto muito de ler as colunas de Ethevaldo Siqueira no jornal " O Estado de São Paulo". Mesmo eu sendo um analfabeto digital, através de seus escritos, tomo conhecimento dos progressos da tecnologia da informação e suas previsões sobre o uso da informática no nosso
cotidiano.

Há dias, vendo uma entrevista de Ethevaldo no "Roda Viva", fiquei impressionado com uma afirmação do renomado jornalista. Mesmo sendo ele um incorrigível "falante", afirmou peremptoriamente a um dos entrevistadores: "a comunicação via smartphone e outros meios digitais nos leva a usar cada vez menos o telefone para falar. Eu mesmo, no dia de hoje, usei o telefone com voz, somente duas vezes. Comuniquei todo o tempo através de mensagens escritas, twiter, wathasap, instagram e facebook. Falar ao telefone se tornou uma raridade!!!!".

Fiquei muito preocupado. O que vai acontecer com a humanidade? Deixaremos de falar? Perderemos uma característica única entre as espécies, a forma de expressão pela fala, numa infinidade de idiomas?

Há mais de cento e cinquenta anos, Samuel Morse inventou o telégrafo e o primeiro código binário de comunicação a distância, por meio de impulsos elétricos. Tecnologia que a maioria desconhece. No entanto, foi o fator de união entre povos e raças por mais de cem anos. 
Não transmitia a voz, é verdade. Daí o nome do TELEGRAMA. Vinda do latim, significa palavra ao longe.

A transmissão da voz através de fios e impulsos elétricos demorou um pouco mais. Coube a um escocês, filho de um professor de FONÉTICA, também ele, professor de fonética, inventar e aperfeiçoar o telefone. 

Alexander Graham Bell apresentou a sua grande novidade ao mundo em 1876, trinta e três anos depois da invenção de Morse. TELEFONE tem o significado de "falar ao longe". Lembrem-se que Graham Bell era professor do uso da fala e seu aparelho sempre se prestou para falar!

Dez anos depois, Gugliemo Marconi apresentou o que se convencionou chamar de Telefone sem fio. Era o Rádio que chegava, transmitindo voz, música e os mais variados sons a distância . Grandes progressos no sentido de unir em comunicação falada todo o mundo, mesmo funcionando em "mão única". O seu aperfeiçoamento, propiciou a fala em resposta. Um sucesso. 

O telefone celular no seu início nada mais era do que a união das invenções de Graham Bell e Marconi. Estações de rádio, ou células, para retransmitir sem fios a voz a distância. A internet também um sistema binário, obteve seus progressos nas ultimas décadas do século vinte e daí para frente disparou em todas as frentes. Revolução total nas comunicações, propiciando aos usuários uma interação sem limites. Um espanto!
Voltemos então a comunicação através da voz. É de conhecimento da ciência que se a criança for criada sem o convívio de pessoas falantes, ela certamente não saberá usar a sua voz. Se limitará a emitir grunhidos e sons estranhos. Aliás, não existem surdo-mudos. Normalmente o surdo ficará mudo em virtude de não ter contato com os sons e sobretudo, com a voz humana.

Isso pode acontecer até com adultos que sabem falar. Se privarmos um adulto do convívio com a voz de humanos, em quatro ou cinco anos ele esquecerá a fala. Emitirá apenas grunhidos. 

Temos um número muito grande de idiomas e dialetos entre os humanos. A lingua inglesa, sabidamente é a mais rica de todas. Tem o maior número de palavras. O português, o francês, o espanhol, o italiano também são línguas muito ricas. Todas possuem um vocabulário imenso que permite ao falante e ao leitor, se expressar e ler de formas mais variadas. No entanto, o uso de sinais, de "emojis" e outros símbolos estão privando grande número de falantes, principalmente jovens, de se exercitarem com as línguas pátrias. 

Se escrevem, simplificam as palavras, usam símbolos e expressões e desprezam uma das maiores invenções dos romanos. O alfabeto latino.
Se não escrevem, também não fazem uso da leitura. A cada dia ficam mais pobres de vocabulário e se comunicam por voz cada vez menos.
O advento da internet e o progresso da tecnologia da informação trouxe e trará progressos enormes para a humanidade. Só me preocupo, na minha humilde ignorância, se tal progresso não trará daqui a uns anos uma multidão de seres mudos e ágrafos. Gente sem voz e sem língua escrita. Seria bom, no meu sentir, providenciar logo para os jovens o ensino do Código Morse. Afinal, exige apenas traços e pontos. Sem regras ortográficas, sem acento e com pouca pontuação. Para quem não gosta de palavras, será um achado!


Notas:


10 O uso do telégrafo deu condições do progresso das ferrovias em todo o Mundo. Junto da estrada de ferro iam os fios telegráficos. Sem essa comunicação, era impossível o tráfego de comboios em uma só linha. Uniu países e continentes. No Brasil, a primeira grande união por meio do telégrafo aconteceu pelas mãos do Marechal Cândido Rondon. Ele foi o responsável por
levar telégrafo à todas as regiões do País, em suas expedições pioneiras. Pagou por isso um alto preço. Contraiu quase cem malarias em 
suas andanças pelo nosso interior. As novas gerações desconhecem o trabalho maravilhoso deste grande brasileiro.

2) Daniel Defoe, autor do livro "As aventuras de Robinson Crusoe" o best seller mais traduzido no mundo até o final do século XIX, inspirou-se na história verdadeira de Selkirk, um marinheiro escocês que foi deixado em degredo numa ilha deserta nas costas do Chile, no final do século dezoito. Sem poder fazer uso da língua, ficou cerca de quatro anos vivendo só, em companhia de cabras selvagens. Quando foi resgatado, só emitia grunhidos. Esqueceu a língua escocesa.

3) No tocante a comunicação a distância, nada melhor do que uma boa anedota de Bob Hope, genial ator e humorista americano. Segundo ele, um índio saiu de uma reserva perto de Las Vegas e foi a um cassino. Em pouco tempo, perdeu duzentos mil dólares. Foi a uma montanha próxima e fez sinais de fumaça para sua tribo, pedindo mais duzentos mil dólares. Em pouco tempo o dinheiro chegou. Voltou a mesa de jogo e perdeu tudo novamente. Repetiu o ritual, novo pedido de mais duzentos mil. Tornou a perder! Na terceira vez que subiu na montanha pedindo mais dinheiro, por coincidência o Exército Americano testou uma bomba atômica no deserto ali próximo. Um enorme cogumelo de fumaça ficou no céu. A resposta da tribo veio de imediato:
"o dinheiro já está a caminho. Não precisa gritar!
(anedota dos anos cinquenta do século XX)


Urtigão (desde 1943)