Sou do tempo dos parques de diversões "mambembes", que corriam o Pais de cabo a rabo, levando alegria e entretenimento ao Brasil profundo.
Não existia fim de mundo para os donos dos parques.
De uma forma ou de outra, num belo dia eles chegavam. Alegria para cidade toda, sem exceções.
O primeiro a ficar alegre era o agente da Estação da estrada de ferro. Sua alegria vinha em forma de dinheiro, dado com sacrifício pelo dono do parque. Cabia ao agente facilitar a manobra das pranchas com as traquitanas nelas transportadas.
Se não facilitasse, as pranchas ficavam fora do pátio de manobras, dificultando a descarga e o transporte para o local onde seria armado o parque.
A segunda alegria era do delegado local. Para licenciar a montagem do parque na cidade, sempre recebia "algum".
Sem "mão molhada", não havia licença. Com alguns "cabrais" na conversa, tudo ficava resolvido.
Terceira propina: ia para o vigário do lugar. Conversa ao pé do ouvido como no confessionário. Provar por todos os santos que ir ao parque era diversão sadia. E a concordância do Cura: não puxar procissão ou fazer festa na igreja no período de permanência da companhia de diversões. Esvaziava a bilheteria. Se fosse algo inadiável, que se fizesse fora dos horários das funções.
Alguns trocados também para os "praças" do destacamento de polícia local. Se o dono da Companhia não mais tivesse dinheiro, franqueava a gratuidade para os "milicos" e familiares.
Mais um pouco de dinheiro para o encarregado da empresa de luz elétrica. Parque pobre não tinha gerador próprio.
Tudo feito, era hora de contratar os “mata-cachorro" para armar as traquitanas. Barquinhas, "dangler", balanços, barraca de tiro ao alvo, barraca de jogo de argolas, barraca de "toca do coelho", jogo das três tampinhas e as barracas do Estúdio, da bilheteria e da Gerência. Com placa nas testeira, impondo respeito.
No Estúdio ficava o serviço de alto-falante. Não tão alto e tampouco muito falante. Dependia da vontade dos locais se entusiasmarem e começassem a colocar músicas, sempre com recados: "essa música é de alguém que oferece a a alguém de saia xadrez e cabelo amarrado com fitas, com prova de muita admiração" .
O assédio, moral ou sexual, dependendo do desenrolar das coisas estava consumado. De maneira sutil e respeitosa, mas sempre com segundas intenções. Se já havia compromisso de namoro ou noivado, o recado era mais direto :
"essa música vai para a fulana, com muito amor e carinho" . E tomem Nelson Gonçalves, Anísio Silva, Altemar Dutra e outros menos cotados. Tudo funcionava, sem acidentes ou incidentes. As autoridades civis e eclesiásticas devidamente agradadas, policiais idem A cidade se devertia a preços módicos.
Imagino nesses dias insuportáveis do "politicamente correto", o triste destino dos donos de parques. Presos por corrupção ativa (pagamento de propina) e facilitação de assédio moral ou sexual. Um inferno.
Urtigão (desde 1943)
Urtigão é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, nascido em Rio Piracicaba em 1943.
Não existia fim de mundo para os donos dos parques.
De uma forma ou de outra, num belo dia eles chegavam. Alegria para cidade toda, sem exceções.
O primeiro a ficar alegre era o agente da Estação da estrada de ferro. Sua alegria vinha em forma de dinheiro, dado com sacrifício pelo dono do parque. Cabia ao agente facilitar a manobra das pranchas com as traquitanas nelas transportadas.
Se não facilitasse, as pranchas ficavam fora do pátio de manobras, dificultando a descarga e o transporte para o local onde seria armado o parque.
A segunda alegria era do delegado local. Para licenciar a montagem do parque na cidade, sempre recebia "algum".
Sem "mão molhada", não havia licença. Com alguns "cabrais" na conversa, tudo ficava resolvido.
Terceira propina: ia para o vigário do lugar. Conversa ao pé do ouvido como no confessionário. Provar por todos os santos que ir ao parque era diversão sadia. E a concordância do Cura: não puxar procissão ou fazer festa na igreja no período de permanência da companhia de diversões. Esvaziava a bilheteria. Se fosse algo inadiável, que se fizesse fora dos horários das funções.
Alguns trocados também para os "praças" do destacamento de polícia local. Se o dono da Companhia não mais tivesse dinheiro, franqueava a gratuidade para os "milicos" e familiares.
Mais um pouco de dinheiro para o encarregado da empresa de luz elétrica. Parque pobre não tinha gerador próprio.
Tudo feito, era hora de contratar os “mata-cachorro" para armar as traquitanas. Barquinhas, "dangler", balanços, barraca de tiro ao alvo, barraca de jogo de argolas, barraca de "toca do coelho", jogo das três tampinhas e as barracas do Estúdio, da bilheteria e da Gerência. Com placa nas testeira, impondo respeito.
No Estúdio ficava o serviço de alto-falante. Não tão alto e tampouco muito falante. Dependia da vontade dos locais se entusiasmarem e começassem a colocar músicas, sempre com recados: "essa música é de alguém que oferece a a alguém de saia xadrez e cabelo amarrado com fitas, com prova de muita admiração" .
O assédio, moral ou sexual, dependendo do desenrolar das coisas estava consumado. De maneira sutil e respeitosa, mas sempre com segundas intenções. Se já havia compromisso de namoro ou noivado, o recado era mais direto :
"essa música vai para a fulana, com muito amor e carinho" . E tomem Nelson Gonçalves, Anísio Silva, Altemar Dutra e outros menos cotados. Tudo funcionava, sem acidentes ou incidentes. As autoridades civis e eclesiásticas devidamente agradadas, policiais idem A cidade se devertia a preços módicos.
Imagino nesses dias insuportáveis do "politicamente correto", o triste destino dos donos de parques. Presos por corrupção ativa (pagamento de propina) e facilitação de assédio moral ou sexual. Um inferno.
Urtigão (desde 1943)
Urtigão é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, nascido em Rio Piracicaba em 1943.