Cena da Vida - Crônica “Estado de Minas” - 20/11/2017 - Mário Ribeiro

Ela tinha uma bengala na mão, insuficiente para que se equilibrasse adequadamente na descida de pequena mas para ela uma rampa bem difícil.
Seu defeito físico parecia decorrer de complicações da coluna. Bastante curvada, ela andava de lado. Para completar, não conseguia erguer o tronco à posição normal. 

Pela aparência deveria ter idade em torno de setenta e mais alguns anos.
Negra, cabelos grisalhos, bem magra, o rosto expressava quanto esforço lhe exigia percorrer o pequeno trecho até a saída da repartição pública. Decerto estava ali para obter algum documento importante para ela.

Na descida da rampa formava-se uma fila. Composta em sua maioria por jovens. Eles se recostavam na parede mas pareciam não levar em consideração o estranho e doloroso esforço da velha senhora de se equilibrar com tanta dificuldade.

A cada passo parecia que ela corria o sério risco de cair sobre o cimento de acabamento rústico e acabar se ferindo. Ficava claro que a queda da senhora era iminente.
Corajosa e determinada, ela seguia em sua sofrida descida. Será que ninguém poderia lhe oferecer o braço para se apoiar na pequena mas difícil trajetória até o portão de saída?
Ninguém percebia que a velha senhora precisava de ajuda?
Por quê aqueles olhares espantados diante de tanta dificuldade física?
O mais doloroso é que ainda restavam aproximadamente dez longos metros até o portão de saída...
Felizmente chegou à repartição uma senhora, vestida com elegância e, ao ver a luta da velhinha deficiente, apressou-se em ajudar a velhinha mas, apesar do empenho e gentileza da outra, mesmo assim a caminhada até o portão de saída continuou difícil.

Uma câmera que filmasse a cena retrataria os que olhavam incapazes de um gesto para ajudar o outro, no caso a clara necessidade de apoio físico à velha negra deficiente.
Preconceito? 

Indiferença?
Ou sempre foi assim?


Mário Ribeiro