Latim - Arthur Lopes Filho

“Pode-se dizer a maior besteira, mas se for dita em latim muitos concordarão" – Stanislau Ponte Preta

Simeão Livário, advogado criminalista que militava no Fórum da cidade de Palmeiras Verdejantes, capaz de proferir tão longos discursos que cansavam os mais pacientes jurados, conseguira a absolvição de inúmeros clientes.

Mas o caso do Manoel da Queimada era diferente.

Ele matara uma velhinha que contava com 102 anos para experimentar um revólver novo que comprara em sua última ida à capital do Estado.

No Júri do Manoel, o advogado Simeão Livário começou sua longa peroração, afirmando que seu cliente “não poderá ser condenado, pois havia apenas cometido ANIMUS NOVANDI (intenção de inovar)" que analisado com isenção pelos jurados, todos votariam pela absolvição.

Lembro-lhes que Dona Quitinha foi uma dedicada beata até entrar em demência quando passou a ter alucinações com DELICTA CARNIS (delícias da carne).

Sua família estava envergonhada e sem saber o que fazer. E, assim, senhores jurados, somente restava a eles, seus familiares, desejarem o momento em que MORS OMNIA SOLVIT (“A morte resolve”)

E após entediante arenga, o criminalista concluiu afirmando que Manoel da Queimada foi levado pela solidariedade à família da finada, o que deveria ser RES COMMUNIS OMNIUM (“Coisa comum a todos”), ao ajudar na ida de Dona Quitinha para o Reino dos Céus.

A conclusão dos jurados levou o juiz a condenar Manoel a um ano de reclusão em sua Fazenda da Queimada, de onde não poderia sair. Condenou também o réu a durante o tempo da condenação não usar revólver e nem carabina, apenas uma espingarda polveira para espantar bichos e gentes.

Sua Excelência concluiu que Dona Quitinha poderia viver mais um ano, por isso era esse o tempo da condenação. O Promotor quis recorrer para o Tribunal de Justiça ainda que a conclusão dos jurados tenha sido unânime.

O Doutor Juiz fez notar que seria de profundo desagrado dele, pois nem o Promotor, nem ele, Juíz, sabiam latim a ponto de contestar a defesa feita pelo brilhante advogado Simeão Livário. E a sentença dada foi passada em definitivo julgado.

Outro momento fulgurante para o advogado Simeão Livário foi ser orador, a pedido do Prefeito, no jantar oferecido ao Secretário da Fazenda do Estado, quando da visita dele a Palmeiras Verdejantes. Os comerciantes da cidade estavam entre as maiores sonegadores de ICMS e o Secretário fora lá para verificar a causa. Aquele jantar tinha como finalidade arrefecer o “furor fiscalista” e evitar as pesadas multas que pretendiam impor aos devedores.

O discurso, a pedido dos participantes levados pelo temor, não foi tão longo, mas ainda assim capaz de levar o Secretário a discretos bocejos o que sinalizou ao orador o instante de terminar.

Foi quando fez o famoso fecho em latim:

“Rebus sic stantibus: in dubio pro reo, in dubio contra fiscum, non plus ultra (que as coisas permaneçam, em dúvida pro réu, em dúvida contra o fisco, nada mais além).

Foi aplaudido fervorosamente por todos.

Quem mais o aplaudiu foi o Secretário que nada entendeu, tanto que quando recebeu a tradução ficou completamente aturdido e mandou, cessar a rigorosa fiscalização.

Os comerciantes foram salvos pelo Latim.



Arthur Lopes Filho