Urtigão, Xenofobia e Arrogância


Dias atrás, em conversa de velho aposentado com um amigo, ele contou-me algo comum em nossa época de faculdade, nos anos sessenta do século passado. Conforme narrado, ele foi visitar um conterrâneo na Escola de Medicina da UFMG. 

Ele, estudante de Psicologia e o outro, de Medicina. Hora do almoço, foram os dois para o "bandejão". O refeitório estava lotado. O visitado esperou um bom tempo por um lugar. Ele não pestanejou: tão logo servido, abancou-se numa mesa com três estudantes bolivianos. Segundo sua narrativa, se fosse estudante de medicina, certamente seria "gelado", prática comum naqueles tempos, nos quais os bolivianos e peruanos eram considerados “usurpadores". Entravam nas prestigiadas escolas superiores tupiniquins, sem prestar vestibular. 

Efeito de um acordo internacional que dava e creio, ainda dá, livre acesso aos vizinhos nas universidades brasileiras. 

Passei a meditar sobre o assunto. Vivi naquela época e vi de perto fatos semelhantes. Sobretudo nas escolas de medicina e de engenharia, tais como a UFMG, a USP, a Universidade do Brasil no Rio de Janeiro e outras prestigiadas. 

Cheguei a triste conclusão que a hospitalidade brasileira, tão cantada e decantada, é pura falácia. Enchemos o peito e exclamamos sempre: "o maior da América latina". Grande coisa!

As universidades só chegaram no Brasil no século vinte. Faculdades, tais como a de Direito de São Paulo, do Recife, das Escolas de Minas e de Farmácia de Ouro Preto e Medicina na Bahia, são mais antigas. 

Coisa de um século, se tanto. 

Os países da Espanhola ganharam as primeiras universidades no século dezessete. No Brasil as publicações de qualquer espécie foram proibidas até 1808, quando da chegada da corte portuguesa. A América Hispânica tinha publicações e jornais desde os anos 1600 e tal. 

Estudar no Brasil, só para os ricos que podiam fazê-lo em Portugal e alhures. 

Somos um país grande, atulhado de bacharéis e no dizer de Eça de Queiroz, "mal traduzido em francês". Cheio de doutores de anel no dedo e sem serventia. 

Ficamos arrepiados com a entrada de venezuelanos em Roraima. Foram expulsos de sua terra por razões alheias à vontade deles. Os bolivianos e peruanos chegam silenciosos para trabalhar em condições sub-humanas nas confecções paulistas, controladas por chineses, coreanos e outros povos do sudeste asiático. 

Os médicos cubanos prestam serviços em lugares onde os médicos brasileiros não querem trabalhar. De médicos brasileiros eu não estou me referindo àqueles formados nas escolas de referencia. No Brasil de hoje tem faculdade de medicina até onde o "Judas perdeu a bota". Médicos brasileiros que nunca viram doenças tropicais. Incapazes de fazer diagnósticos sem exames clínicos-laboratoriais e de imagem. Cheios de empáfia e arrogância, a arrotar sapiência para os colegas da América Latina. 

Triste conclusão a minha: o Brasil é uma terra xenófoba e arrogante. Comemos taioba, serralha e farinha d'água e arrotamos filé mignon. Para abaixar a nossa arrogância, na terra de Tio Sam não somos brancos, negros, indígenas ou pardos. Para desespero dos patrícios, por lá, somos classificados como latinos!


Urtigão ( desde 1943) 

Urtigão é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, nascido em Rio Piracicaba/MG, em 1943.