Há tempos o titular deste blog cunhou a expressão "vanguarda do atraso" para designar Belo Horizonte e arrabaldes. Muito acertado!
Nesses dias de greve de caminhoneiros pude constatar a qualidade e o acerto de sua observação.
Faltou gasolina e outros derivados de petróleo. A multidão de felizes proprietários de automóveis e outros veículos automotores de transporte individual correram aos postos de gasolina. O noticiário das TVs e as tais redes sociais se esmeravam em apavorar os mortais motorizados.
Gente que não sai de casa há meses, aposentados de pantufas e barrigas protuberantes, desocupados de toda espécie, madames com lustrosos carrões e jovens barulhentos se aprontaram rapidamente para comprar o carburante. Um espanto. Gente dormindo na fila à espera da chegada dos caminhões tanques. De quebra, ainda havia a chance de dar uma entrevista para rádio ou televisão.
O mais interessante das entrevistas eram as profissões declinadas. Explico: tínhamos gerentes, supervisores, encarregados de produção, pastores e outros bichos. Cabe perguntar: Gerente do que? Supervisor de onde? Encarregados de onde? Pastores de ovelhas ou de fiéis. Tinha até promotor. De vendas, de justiça, de eventos ou de desordens? Até hoje, decorridos cinco dias, ainda não sei. Ia faltar comida. Ia faltar remédio, ia faltar cerveja e cachaça.
Uma lastima.
Uma senhora passou por mim, resmungando. "Não tem cenoura nem tomate". Um inferno"
Não aguentei e perguntei. "A senhora come isso todos os dias?
Espantada, respondeu-me: "Claro que não"! Acontece que lá em casa está acabando"!
Fico a pensar: se tivéssemos terremotos, tsunamis, erupções vulcânicas e guerras. Difícil de prever o estouro da
boiada ou a multidão de bobos a estocar tudo que fosse possível.
Fiquei no meu canto e quando me indagaram se eu não iria abastecer e tampouco iria no supermercado, respondi de pronto: nem amarrado. Se precisar de sair de casa, se for perto vou a pé. Se for longe vou de carro com motorista acionado por aplicativo, se for necessário ir ao hospital, chamo a ambulância. Voltei às minhas pantufas "cara de gato" e a minha leitura.
Nada mais foi dito e tampouco me foi perguntado.
Uma Nota:
O ilustre governador Fernando Damata Pimentel agiu rápido na crise. A sua força tarefa criou um adesivo para ser afixado nos caminhões de verduras, ovos, carne, frutas e outros insumos. No adesivo estava escrito: CARGA PRIORITÁRIA - DEIXEM PASSAR. Não funcionou.
Urtigão (desde 1943)
Urtigão é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, nascido em Rio Piracicaba em 1943.