Dante Alighieri, genial poeta italiano escreveu o poema "A Divina Comédia" no século XIV. Sem dúvida e sem direito a contestações é uma das obras primas da literatura mundial.
Proponho escrever "A Divina Tragédia" que nada terá de obra maiúscula. Nada a ver com a poema do italiano ilustre. Porém, tem algo que lhe imprime uma diferença fundamental: é um retrato fiel de um país latino-americano.
Dito isto, passo a narrar os fatos.
Uma certa nação do hemisfério sul viveu de 1964 a 1985 sob um regime de exceção, instalado sob o propósito de varrer a corrupção de suas terras, de aprimorar a aplicação da justiça, restaurar a lei e a ordem, incentivar as ciências e a tecnologia, diminuir as diferenças entre os habitantes, implantar um sistema de saúde de qualidade, acabar com o analfabetismo, melhorar a infra-estrutura e fazer muitas coisas mais, entre elas, banir de suas terras o comunismo em todas as suas nuances. Infelizmente, houve um fracasso redondo. Trinta e três anos depois, tudo que era ruim piorou e o país continua a sua trajetória de solavancos.
O primeiro presidente eleito (indiretamente), credor da confiança da população, na véspera de sua posse com a presença de meio mundo, incluindo o seu jovem neto de promissora carreira, foi operado às pressas e morreu como herói quarenta dias depois. Presidente viúva Porcina. Aquele que foi sem nunca ter sido!
Com a sua morte triste e comovida, assumiu o seu vice, maranhense, escritor bissexto com vastos bigodes. Conseguiu fazer o impossível. Ficou cinco anos no poder e piorou tudo. Um espanto. O grande país voltou às urnas em 1989. Um número inédito de candidatos. Medalhões de toda espécie e da melhor estirpe.
No primeiro turno tomaram uma sova de "deixar bichos" de dois autênticos cavalos paraguaios. Um jovem alagoano de cabelos gomalinados e um metalúrgico carrancudo. No segundo turno elegeram o gomalinado.
Arrogante e presunçoso prometia acabar com a inflação com um "ypon" golpe único no judô. Ao contrário: acabou com Poupança do povo, andou de jato supersônico, colocou um turco no comando do Banco Central, uma economista obscura no Ministério da Fazenda e um médico famoso no comando da Saúde. Deu tudo errado e o moço voluntarioso e sua caterva (exceto Renan) foi apeado do poder. Impeachment, com pompa e circunstância. Algo nunca visto na breve história da república. No seu lugar assumiu o vice. Topetudo e turrão, fanático por pães de queijo e modelos sem calcinha.
A despeito das apostas em contrário, foi razoável. Conseguiu debelar a inflação. Teve sorte de encontrar um bom time de jovens economistas para derrotar o mal maior. Deu azar de tê-los sob o comando de um sociólogo tirado a intelectual de sucesso. Um conquistador. Quando estudante da USP fazia suspirar as universitárias da rua Maria Antonia. O sociólogo ambicioso foi eleito sucessor do "homem de topete" e assumiu o comando da grande nação.
Tinha e tem veleidades de estadista. Comprou deputados a bom preço e conseguiu colocar na Constituição do Doutor Ulisses uma emenda que possibilitava a reeleição. Foi re-eleito, fez outro governo medíocre e aplainou a estrada para o metalúrgico carrancudo, que se elegeu presidente da república. Prometia mundos e fundos e continua prometendo.
Reeleito, o ladrãozinho contumaz se tornou o político mais popular da grande terra. Fez e desfez, sem dó nem pena. Queria um terceiro mandato. Não deixaram. Colocou em seu lugar uma " guerrilheira de araque" com os olhos obliterados de miopia. Um portento. Falsificou seu currículo e recitou uma Ode à mandioca". Novo impeachment e chegamos a "Ponte para o futuro", com um filho de imigrantes libaneses.
Querem mais: esperem e verão. Se conseguimos tantas proezas em menos de meio século, temos competência para muito mais. O Brasil apodrece, o tecido social se esfarrapa, as cidades cada vez mais sujas e inseguras. Batemos recordes de mortes por assassinato enquanto assistimos a volta de doenças de nosso tempo de criança, incluindo verminose, malária e impaludismo. Um século depois do Jeca Tatu de Monteiro Lobato, ei-lo de volta. Um enredo de fazer inveja ao noveleiro mais imaginoso do mundo.
Dirão: é mentira! Nada disso. É um resumo honesto e sucinto de um pedaço da história do Brasil. Sem competidores!
Em tempo: o neto jovem e promissor do político que foi operado na véspera da posse, atualmente reza terços diários e faz novenas em São João Del Rey pedindo a Deus que o livre da cadeia. Meteu-se com uns açougueiros goianos esse deu mal.
Urtigão (desde 1943)
Urtigão é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, nascido em Rio Piracicaba/MG, em 1943.