Nascera de um parto muito difícil, sua mãe Suerda quase morreu e fazia questão de sempre lhe lembrar o sofrimento dela. Talvez por isso que Lecimário Figueira Junior, de apelido Lecim, tenha se afirmado como pessoa de pouco caráter e se tornado desses homens em quem ninguém confiava.
Fazer a ele um empréstimo seja financeiro, seja de uma enxada, seja de uma xícara de açúcar, era dar adeus ao que foi emprestado. Suerdário, seu irmão, era o xodó de Suerda e ela sempre dizia que ele nascera com tanta facilidade como toda mulher desejava parir seus filhos. Ele, um bom caráter, deixou que sua esposa ajudasse Lecim a carregar os pacotes de encomenda da mãe, até à estação ferroviária.
Não é que o “cachorro” do Lecim convenceu a cunhada que era para levar os pacotes até Brejo Escuro, onde a mãe morava. Eram apenas 3 horas de trem e nem precisava avisar ao marido. Quando lá chegaram foram direto para a Pensão Dona Loló onde ficaram 12 horas enfurnados. Somente apareceram na casa de Suerda depois e com cara de safadeza.
Ainda bem que Suerda envelhecera e estava enxergando muito pouco. E ainda entendeu que haviam acabado de chegar pelo trem das cinco. Tanto que Suerdário furioso com o sumiço da esposa se acalmou com esta notícia dada pela mãe. Entendeu que, num acesso de bondade, ela havia acompanhado o irmão para visitar de surpresa a sogra. Foi o único caso que Lecim tomou emprestado e devolveu. Usada é verdade, suspirosa como nunca fora antes, mas devolvida.
Nem Lecim nem irmão podia confiar. Pois não é que um dia de tempestade um raio caiu numa árvore pertinho de onde ele estava, ficou desmaiado por 7 dias seguidos. No período em que não deu fé de nada, a cunhada ficou em estado de safadeza, mas conseguiu disfarçar e ninguém percebeu.
O médico disse que se tivesse sorte iria sobreviver sem ficar abobado, o raio caíra muito perto. Lecim acordou durante a noite e tomou um susto, duas velas acesas estavam em castiçais ao pé de sua cama. Faziam parte do ato de benzedura que Siá Antônia, a mais famosa benzedeira da região, recuperava desenganados.
Foram sete dias de rezas com benzeduras e simpatias, seu irmão e sua mãe fizeram parte de tudo e até choraram. Ele acordou quando não tinha ninguém no quarto de recolhimento e havia as velas acesas. Deu um grito e a primeira a chegar foi sua velha mãe que se lembrou do parto difícil e foi logo lhe dizendo: “- Para de gritar, não me venha com escândalo.”
Ele muito aturdido logo disse “- Mãe me dê sua benção.”
E ela espantada respondeu “- Que Deus perdoe seus pecados e assim poderei abençoá-lo.”
Quando os outros entraram ele chorava abraçado com Suerda. Era um novo homem, o raio havia arrebentado o cadeado de seu baú de caráter que transbordava pelo ambiente. Pedia a Deus com sofreguidão, perdão por todos seus pecados. Prometeu em altos brados que pagaria cada empréstimo que tomara. Mas, em silêncio, prometeu que não mais desfrutaria do sexo da esposa de seu irmão e que lavaria o seu e o dela, com “água benta por Frei Damião.”
Era um novo Lecim, dureza foi alguém acreditar. Mas o bom Sinhô da Fazenda Coqueiros, fiel a Jesus e aos Santos Apóstolos, deu a ele o crédito da confiança: emprestou seu carro e ainda deixou que a linda neta Jerusa fosse com ele até Brejo do Buriti para a Festa da Padroeira.
Lecim devolveu o carro e ainda a neta virgem como saiu de casa. Com o tempo passou a ser respeitado por todos, assumiu compromisso de casamento com Mirinha de Dona Béa e marcou data. Honrou o compromisso e hoje já têm 3 filhos.
O que ninguém sabe é que Lecim vez por outra, passa pela tentação de ser “cachorro” novamente. O que não lhe permite voltar a ser, é o medo de que outro raio caia mais perto que o primeiro e ele se lasque para o resto da vida.
É hoje tão respeitado, que seu nome é sempre lembrado para ser prefeito. Dona Suerda, mãe cujas preces foram atendidas, sempre quando se ajoelha no altar mor, agradece a Deus e exclama “-Bendito o raio que caiu!”.
Arthur Lopes