No dia 2 de Outubro de 1974 o Rei Pelé vestia a camisa do Santos com o número 10 nas costas pela última vez no Brasil. No vestiário da Vila Belmiro ele amarrava suas chuteiras e refletia sobre sua longa e vitoriosa carreira. Seria seu último jogo como profissional no Brasil. Pelé iria se aposentar naquela noite.
A partida não valia nada. Jogo era parte do primeiro turno do Campeonato Paulista. A “Macaca” ou Ponte Preta seria o adversário. O Estádio completamente tomado por torcedores, admiradores, reporters, amigos e familiares. Seria uma noite de Quarta-Feira tipicamente brasileira. Com a magia do futebol.
O jogo começou e todos sabiam que por volta dos 20 minutos Pelé seria substituído. Os 20 minutos chegaram e Pelé não saiu. Até que a bola chegou na intermediária de ataque. Com um cruzamento do lateral do Santos ela foi alçada para área. Aquele tipo de bola fácil para o Zagueiro tirar. Só que quem estava na área era o mágico do futebol. Pelé saltou no momento exato e lá no alto cabeceou forte para o gol. Teria sido seu último gol na Vila… mas o destino fez a bola parar nas mãos do goleiro que o nome na história se perdeu.
Para quem gosta de futebol rever esta última jogada de Pelé mostra um pouco da maravilha que este homem proporcionou ao mundo.
Pelé de cara fechada olhou de lado para o goleiro. Ele que tinha uma visão lateral única percebeu que o famoso “chutão” viria. Antecipando o tempo, como tantas vezes fez, Pelé se encaminhou para o centro do campo. No mesmo momento em que a bola viajava pelo céu estrelado na Baixada Santista, o Rei chegava ao círculo central. Como um passe de mágica a bola depois de ser dominada pelo zagueiro do Santos foi devagar na direção do maior jogador de futebol do planeta. Pelé estava exatamente no centro do campo. No centro do mundo. No centro das atenções.
A bola chegou a seu encontro. Desta vez não foi para ele iniciar uma nova jogada ou fazer mais um lindo gol. Pelé se abaixou, pegou a bola carinhosamente. Colocou sua eterna amiga na marca central. Abriu os braços e se transformou em um cristo redentor de joelhos. Girou devagar para os quatro lados do estádio e como uma ator no final de sua peça agradeceu de joelhos a torcida no estádio e os espectadores que o viam pela televisão.
Um Rei humilde ajoelhado na frente de seus suditos. Um Rei eterno.
O locutor da Rede Record que transmitia o jogo para todo Brasil sentiu a emoção e engasgado narrava que o maior jogador de futebol de todos os tempos oficialmente estava aposentando. Pelé levantou, tirou sua camisa, começou a roda-lá no ar e pela última vez deu uma olímpica na Vila Belmiro. O público gritava seu nome. Aplaudia. Os jornalistas tiravam fotos. Amontoados lutavam por uma entrevista que não veio dentro de campo. O país emocionando chorava.
Eu nunca vi Pelé jogar ao vivo. Meu Pai me contou que viu algumas vezes. Se emocionava só de lembrar. Dizia que os jogos do Santos eram um evento. Levavam multidões de torcedores de todos os times. Eles não torciam para o Santos. Torciam para Pelé.
Em 1977 eu finalmente tive a autorização materna de ir ver um jogo ao vivo. No mesmo ano Pelé fazia sua segunda despedida dos gramados. Desta vez na terra do Tio Sam. Pelé tinha se transformado em jogador e embaixador do "Soccer" nos EUA. Levou milhares de americanos aos estádios. Jogou pelo Cosmos de Nova York. Onde foi campeão ao lado de Carlos Alberto Torres e Beckenbauer da liga americana. Mais um Outubro e uma nova despedida. Desta vez jogou o tempo todo. Um tempo pelo Cosmos, outro pelo Santos. Marcou seu último gol pelo Cosmos contra seu Santos. Ironia do destino.
No final do jogo foi carregado nos ombros por seus companheiros. Em suas mãos as bandeiras do Brasil e dos Estados Unidos, sorria alegre enquanto o time o levava pelo estádio adaptado que era originalmente para futebol americano. A casa do New York Giants estava completamente lotada. Mais de 75,000 espectadores e centenas de celebridades presentes. Desta vez não foi só o Brasil. Agora o mundo inteiro celebrava sua carreira.
O atleta do século eleito pela Reuters participou de uma solenidade de despedida. Nela repetiu o que já tinha falado anos antes depois de marcar seu milésimo gol no Maracanã contra o Vasco da Gama. "O mais importante é cuidar das nossas crianças".
Frase simbólica. Forte. Corajosa. Frase de Rei.
Chegamos então em 2020 e as comemorações dos 80 anos do Rei Pelé tomaram conta da mídia por alguns dias. Imagens resgatadas, jogos revistos, jogadas inesquecíveis analisadas, milagres realizados comprovados e reverenciados.
Difícil fazer uma garota ou um garoto de 7-10 anos entender o tamanho do Pelé. Hoje as crianças vivem em um mundo virtual. Cheio de animais falantes e jogos frenéticos. Os ídolos não são reais. A maioria são criados por computador. Muitos dos jovens também vivem praticamente dentro de computadores, iPads e celulares. Os magos da vez são YouTubers e influencers do Instagram. Eles mantem as crianças hipnotizadas enquanto os pais olham noticias desnecessárias em vez de conversarem sobre a vida e passar experiencias para elas durante mais um almoço.
Quero um algoritmo que vincule o novo ao velho. O jovem vai clicar no YouTuber de cabelo colorido favorito, mas como mágica aparerá Elis Regina e Jari Rodrigues cantando "O Morro não tem Vez".
Nesta mesma semana tão emotiva para muitos Brasileiros e obviamente para o próprio Rei Pelé, nosso Galo Mineiro voltou a jogar no Mineirão. Voltou a fazer magia. Voltou a alegrar os corações. Contra o nosso principal rival voltou a golear.
Antes do jogo contra o Flamengo vi alguns videos das décadas de 60 e 70. Tive sorte e o bendito algoritmo me levou para um documentário sobre o Campeonato Brasileiro de 1971. Diversos jogadores contando como aquele primeiro campeonato transcorreu.
Definitivamente aquele foi o ano do Galo. Vencemos todos. Flamengo, São Paulo e o Santos de Pelé por duas vezes. Na última partida contra o Botafogo no Maracanã, no mesmo gol em que Pelé bateu o pênalti do seu milésimo gol, Dario parou no ar e de cabeça marcou o gol do título.
Hoje, 50 anos depois, vemos mais uma vez a atleticanada motivada. Alegre e com esperança. Vemos o Galo jogar com raça. É o time de todas as classes sociais, religiões, cores e tendencias. O torcedor alvinegro voltou a sorrir. As namoradas do Galo cada dia mais apaixonadas. Se emocionam com a correria do time. Irracionalmente ligam a TV quando atacamos e desligam quando defendemos.
Manias, mandingas e superstições que crescem por todo Brasil. As superstições alvinegras são as mais diversas possíveis. Cada um com a sua. O Júlio, por exemplo, não vê os jogos ao vivo do seu time de coração. Sua mandinga é achar que se ele ver o jogo, existe uma pequena chance de perderemos. Vê então os "piores momentos" depois que a batalha terminou. Paixão maior não pode existir! Amor incondicional levado as últimas consequencias. Abdicar de ver a partida para ajudar o time a ganhar.
Já uma multidão de Atleticanos não aguenta mais ficar em casa e sonha enlouquecidamente em voltar aos estádios. Querem gritar a pleno pulmões: “O Galo é o time do amor. O Galo é o time da virada”. Mesmo durante essa pandemia dos infernos a torcida não resiste. Invadem as ruas. Com mascaras (no nariz e na boca) levantam suas camisas. Soltam foguetes. Fazem a rua pegar fogo. A noite virar dia. O céu virar inferno. Querem aquecer no coração dos jogadores a paixão que sentem.
O Galo de SaoPaoli trouxe a magia do jogo de volta para o Brasil. A magia que Pelé criou e encantou todo o mundo. A magia que fez Cassius Clay / Muhammad Ali chegar no pé do ouvido do Rei, ainda dentro do estadio do Giants, e falar baixinho só para ele: “Nos somos os maiores do mundo”.
A garotada não sabe quem foi Pelé, mas acompanha pela TV, pelo celular, pelo Youtube, o Faraó Keno chutar a bola com força. Com raiva. Aquela bola que não dá nem esperança para o goleiro adversário enconstar nela. Clica em um novo video e vê o Sasha mergulhando de peixinho... há quantos anos não víamos um peixinho com aquela classe? Nosso Xuxa-Sasha faz mais, alé do peixinho, só de maldade, mandou a bola por debaixo das pernas do jovem goleiro que nada pode fazer.
Pelé parou guerras. O Galo cria crises nos adversários. Os times perdem seus técnicos. Os jogadores adversários perdem a confiança. Como faz nosso gigante da defesa Junior Alonso. O zagueiro / lateral / cabeça de area / libero tira a bola dos pés do atacante adversário com vontade, seriedade e objetividade. Se não tirar, passa por cima mesmo, sem perdão. O agora "ex-atacante" vai ser esconder com medo do Junior lá pelos lados da lateral. Fica fingindo de morto para não passar mais vergonha no campo.
O Galo bom de briga voltou. E voltou a vencer. Em um país com pouca memória precisamos criar histórias a cada jogo. Convoco os YouTubers a multiplicarem seus videos. Detalhar cada jogada da partida. Abrirem o campo de comentários e aumentar o engajamento digital do Galão da Massa.
Assim, aos poucos, trazemos mais e mais crianças e jovens de volta a realidade da bola. Ou melhor, de volta para a magia do jogo como Pelé pediu. Apresentando aos aprendizem de feiticeiros os poderes sobrenaturais que só os jogadores e jogadoras de futebol proporcionam.
Quem sabe uma destas mandigas ou o "sobrenatural de almeida" faz de um destes jovens feiticeiros digitais um gênio trabalhando no Google. Com a paixão tatuada no coração quando criança decide criar um novo algoritmo. Cheio de inteligencia artificial. Nele obrigatoriamente após cada video assistido e "like" despejado na net, um outro virá, este tendo como protagonista o Rei Pelé. Jogando e destilando sua eterna magia que por tantos anos alegrou e ainda alegra a humanidade.
Parabéns Pelé. O Mestre dos Magos
Correspondente Internacional