- Acho que vou me congelar por seis meses. Disse ela em um rompante de verdade emocional.
Olhei para o lado e pensei... Pronto. Agora sim, pirou.
- Não aguento mais essa vida de isolamento. Põem e tira máscara. Lockdown. Até hora para voltar para casa temos agora. Como se não bastasse ficar meses em casa trabalhando em home office.
- Quero viajar. Quero ir para a Itália. Ver o azul do mar da Costa Amalfitana. Quero ver os pescadores voltando com seus barcos. E na beirada do mar comer um delicioso peixe fresco. Escolher o vinho da casa. Esquecer o diabo deste vírus. E como não posso ir... nada mais me importa! Vou me congelar!
Ehhh. A coisa estava feia. Melhor tentar usar ironia. Vai ajudar a coloca-la novamente com os pés no chão.
- Mas como seria esse congelamento? Em um freezer? Em um frigorífico?
O bom da ironia é que você tenta mostrar para o interlocutor o absurdo dito. O ruim é a raiva que cria imediatamente quando o interlocutor não está de brincadeira.
- Não sei! Esbravejou olhando fundo na minha alma. Não importa. Importa?
- Claro. Não importa. "Concordei rapidinho". Sim. Vamos te congelar...
Concordar com alguém em estado de loucura temporária avançada faz bem para saúde...
Viramos a esquina. Ela ainda decidida na ideia de congelamento. Andando mais um pouco passamos ao lado de uma padaria. Com faixas amarelas na porta restringindo a entrada. Apenas uma placa dizendo. "Delivery" em letras vermelhas.
Lá de dentro veio aquele cheiro de pão francês. Novinho, saindo do forno. A fila do lado de fora da padaria se formando respeitando o distanciamento de pelo menos 1 metro.
Ela olhou para mim e disse:
- Não quero me congelar ainda... Corre. Entra na fila e por favor compre 4 pães queintinhos para mim. Quero comer com manteiga e queijo canastra derretido... e a casquinha do queijo por cima.
Imediatamente o dia melhorou para ela. A raiva com os políticos e as restrições impostas foram esquecidas por um momento.
A vida tem que continuar com ou sem pandemia.
As vezes o que precisamos para evitar o congelamento de humanos em massa é lembrar que a felicidade vem com as pequenas e boas coisas da vida.
Como em um pão francês quentinho, derretendo na boca, e gostinho de infância.
Correspondente Internacional